Meu pai uma vez disse que tenho letra de analfabeto funcional


Visito um médico semanalmente. Estou doente, mas nutro grandes esperanças. Talvez dê errado, talvez funcione ou quem sabe não dê em nada e eu fique na mesma. Nunca entendi aquele lance de caminho do meio, talvez seja isso. Pode ser qualquer coisa, não tenho a menor ideia. Penso nisso porque meu médico judeu não consegue acertar o remédio exato para a minha doença e, por isso, vivo uma experiência científica de tentativa e erro. E só obtemos o erro, claro. Um dos remédios me fazia desmaiar o tempo todo. Nada contra desmaiar, tenho até amigos que desmaiam. Já outro me dava enjoos terríveis. Comprei até teste de gravidez já imaginando um feto deformado e viciado em remédios, mas era só efeito colateral. Teve ainda o remédio que deu fome. E não era uma fome ao estilo vou-comer-sete-pedaços-de-pizza-porque-sou-uma-mulher-durona, mas uma fome vou-comer-14-pedaços-e-depois-comer-pães-e-tudo-que-encontrar-até-vomitar-ou-simplesmente-passar-mal.

Confesso que cheguei a comer coisas que não eram comestíveis. Queria comer, a qualquer custo. Apenas comer e nada mais. Só não comi grama porque não achei grama em São Paulo.

Daí comecei a ler As Afinidades Eletivas, como boa pirigoethe que sou, e não entendi nem a introdução do professor x. Tudo bem, eu tenho um plano. Acho que vou cursar uma terceira faculdade: Filosofia. Não tem como dar errado. Trabalho dez horas por dias, mas vou achar um espaço na minha agenda para cursar uma terceira faculdade. Uma decisão totalmente acertada, penso. Com o diploma de Bacharel em Filosofia em mãos, volto a ler As Afinidades Eletivas e tudo acaba bem.

Minto, vou ler agora, já marquei no meu app de leituras. A partir do momento que marco um livro no meu app de leitura, não há como voltar atrás. O destino está selado. Porém, confesso que comprei uma edição em e-book mais bonitinha e com várias notas de rodapé que podem salvar qualquer atrasado mental do abismo. Acho. Depois me perguntem se eu consegui. Vinte mangos o e-book, vão tomar no meio do rabo, fica aqui o meu breve protesto com o preço do livro digital.

Meu médico, que é judeu, gosto de enfatizar que ele é judeu – e entende tudo sobre sofrimento por trazer isso na alma – sugeriu que eu mantivesse um diário parar anotar todas as situações que me fazem mal durante a semana. Ele pediu riqueza de detalhes. Imaginem meu rosto virando lentamente até encontrar o olhar dele com aquela cara VOCÊ-DISSE-RIQUEZA-DE-DETALHES-QUERIDO? Eu escrevo doze parágrafos brincando. Um monte de asneira, mas escrevo. Cacete, como eu escrevo. Mal, talvez. Estou em crise. Agora eu tenho dois diários oficiais. Um diário-diário e outro diário-doença. Ambos padrão FIFA.

Mas baseado nesse evento “ter um novo diário para detalhar aborrecimentos”, tive que comprar um novo Moleskine, claro. Eu só tenho uns 129 cadernos. Evidentemente que essa quantia não é o bastante. Não pode ser qualquer caderno. Porém, como eu estava uns mil reais no cheque especial, decidi comprar apenas um caderno Cícero, que é quase igual, exceto pelo fato de não ser um Moleskine. Uma obsessão minha, pode apontar o dedo e me chamar de consumista, dizer que a marca foi fundada em 1996 e engana seus consumidores. Eu sou isso mesmo. Tenho esse defeito, pegue no meu defeito, dê uma balançada nele. Sou enganada pelas grandes corporações. Não tenho senso crítico. Não sei falar italiano. Não sei escolher boas cores de esmalte.

Enfim, acabei de ligar para a Monique. Monique é a minha gerente. Liguei para perguntar se ela estava bem e para dizer que a minha conta iria estourar. Perguntei se ela tinha um plano. Eu gosto da Monique. Ela me chama de Flor e entende que eu precisava comprar um caderno novo. Ela diz que o banco em que ela trabalha quer realizar os meus sonhos. Legal. Manda o gerente vir aqui ler Goethe comigo.

Eu tenho vários amigos e amigas em São Paulo agora, tipo, umas quatro pessoas. Penso em dar uma festa. Talvez eu até chame o meu médico. Eu gosto dele, acho que ele deveria usar uma capa de Super-Homem pelas ruas e sair gritando “eu salvo pessoas”. Esses dias ele disse algo muito simples: “Taísa, ninguém é melhor ou pior do que você, vai lá, arregace as mangas, acabe com esses filhos da puta”. Ele não disse o palavrão, claro.

Saio completamente inspirada das consultas, digo que vou seguir com a rotina planejada. Conto que tenho escrito bastante, que tenho um caderno para cada personagem do romance que comecei a escrever em março, mais os diários, mais as anotações que faço no celular, mais as coisas que escrevo em lugares não oficiais como livros, bloquinhos de repórter, revistas, jornais e mão. Quem nunca escreveu nada na mão, não é mesmo?

Estou começando aos poucos, muito aos poucos, a voltar para a academia. Malhar realmente libera paradas no cérebro, é verdade, eu comprovei. Nada comparado a tomar uma (ou doze) cervejas, mas alguma disposição você tira de lá (da academia de ginástica, não da cerveja). Estou disposta a ter disposição. Vejam só que frase ricamente construída.

Minha vida deu uma nova guinada, após tantas, dirão vocês. Hoje, dia seis, inauguro uma nova fase. Fui lá, cortei a fita vermelha e inaugurei a nova fase. Estavam presentes o prefeito e várias autoridades da cidade. Lá ficou resolvido que vou pensar em mim e na minha saúde antes de qualquer coisa ou qualquer pessoa. E, tendo isso em mente, irei me afastar das pessoas que não estão dispostas a me apoiar na minha longa, ou talvez breve (é bom sonhar), jornada pelo fim da depressão severa. Ou seja, aquele cabeleireiro que diz “esse loiro te deixa muito pálida, com a cara toda cagada” já está fora do meu círculo social.

Dormir cedo e acordar cedo. Tomar mais chá. Aceitar que vinho é uma bebida alcoólica como qualquer outra e não algo bom para a saúde em supostas pequenas doses. Comer mais castanhas. Comer salada e frutas no inverno. Jogar o celular no lixo. Ler As elegias Eletivas nesse fim de semana. Ler uma poesia por dia. Comprar uma mochila para carregar tantos cadernos. Uma mochila bonita e não fluorescente e esportiva como a que eu tenho agora. Andar de bicicleta todo domingo na ciclofaixa porque tenho medo de andar na rua. Correr no Minhocão.

Estudar assuntos que não sei. Ler diariamente os dois jornais que assino. Ler as revistas que assino. Ler as revistas que compro. Parar de jogar sintomas no Google e a me diagnosticar com câncer. Comprar panelas. Fazer sopa de mandioquinha. Aprender a fazer sopa de mandioquinha. Jogar revistas velhas fora. Jogar papéis fora. Parar de usar cheque. Conversar com a Monique na segunda. Comprar fita para a minha máquina de escrever. Comprar uma orquídea. Cobrar dinheiro das pessoas que me passaram frila no passado e esqueceram que eu existo.

Ler livros em Francês. Ler pelo menos as manchetes do Le Monde. Fazer os exercícios da minha classe de Francês. Não perder tempo com texto polêmico da internet. Comprar uma pantufa. Ir mais à Biblioteca Mário de Andrade. Passar hidratante no inverno. Estudar matemática básica. Não morrer de tédio nos mercados. Parar de odiar mercados. Usar os óculos de leitura. Marcar oftalmologista. Passar colírio. Dançar sozinha no quarto. Trabalhar muito. Mostrar que sou capaz de fazer boas reportagens. Descobrir locais noturnos para me divertir em São Paulo que não sejam o Morrison Rock Bar. Convidar amigos para irem comigo. Ir sozinha é saudável, mas companhia não machuca ninguém. Não ficar sozinha o tempo todo. Fazer mais amigos. E mostrar aos que tenho o quanto gosto deles.

Preciso ainda convencer a minha roommate a adotar um cachorro bem pequeno, mas tão pequeno, que ela nem vai ver ou notar o cachorro. Preciso pensar num plano para que isso aconteça. Ter um cachorro é muito caro nos dias de hoje. Quando eu era pequena tinha vários ao mesmo tempo, fora os gatos, eu os amei tanto. Céus, como eu os amei. Eu mereço um bichinho, porém, acho que não tenho salário para isso. Eu não tenho dinheiro para nada, aliás. Podem perguntar para a Monique.

"Viver para odiar uma pessoa é o mesmo que passar uma vida inteira dedicado à ela"
(Guimarães Rosa)

O Herr, gieb jedem seinen eignen Tod

Quando procurei ajuda, tudo mudou. Não pela felicidade, que não veio, mas pela consciência de quanta tristeza estava sentindo. Percebi que só me via como vítima, sem nenhum poder diante das mais variadas situações. Acreditava que o mundo me devia algo. Se do pão que o capeta amassou já tinha comido até as migalhas, nada mais justo que exigir desse mundo uma reparação. Entretanto, essa reparação nunca veio e nunca virá. Assim como todos, continuarei levando Porrada & Bomba.

O que mais me machuca é quando alguém pergunta se sou modelo, se sei que pareço com a Barbie. Ou ainda quando alguém torce o nariz e diz “Ah, você cobre celebridades, né?”. No lugar de dizer “Queridinha, fiz duas faculdades, falo quatro idiomas, li mais livros que dez gerações completas de parentes seus e dei duro para chegar onde estou. E mais, qual o problema do meu trabalho?”, eu fico em silêncio. Só que não é um silêncio de mulher bem resolvida e segura de si. Morro por dentro porque me sinto humilhada. Sinto que sou menor que as pessoas ao meu redor, principalmente pela minha aparência física (Oh, mundo cruel, eu sou bonita demais!). Expor minha frágil trajetória de vida de forma pedante só mostraria o quanto eu não me garanto, o pouco que me valorizo.

Vinda lá do interior do Paraná, provei comida japonesa pela primeira vez aos 18 anos. Achei horrível, diga-se. Fui ao McDonald's com 14 e ainda guardei a caixinha da batata frita dobrável no meio do meu diário. Quando conheci um avião por dentro, já tinha idade para beber nos Estados Unidos. Por isso, e por tantos outros exemplos, sempre fui uma ressentida, uma invejosa, uma carente, uma pobre de dinheiro e de espírito diante de todas as coisas que eu não tive. Não só coisas, mas relacionamentos, sensações, cursos no exterior, viagem para Disney aos 15 anos, pai não-alcoólatra, essas coisas que toda menina saudável quer. Vocês são melhores, vocês venceram. Hoje sou eu quem paga mil reais de psicoterapia todo mês.

Como muitas pessoas, tive que passar por momentos sofridos e dolorosos na minha infância e adolescência. Mesmo que inserida dentro de uma certa classe média interiorana, fui privada de muitas coisas que eu julgava como minhas por direito. Poderia dizer que meu ressentimento nasceu comigo e me tornou uma pessoa orgulhosa e de ambição sem limites. Ambição, ambição, ambição, ambição. Eu precisava mostrar para eles. Eles quem? Aos doze, decidi que gostaria de escrever livros. Meu pai disse que era possível escrever em revistas e jornais também. Estava decidido. Escolhi ali minha profissão.

Minto, teve uma época em que quis muito cursar História, matéria na qual me descobri como pessoa e entendi o mundo em que vivia. Estudar o material escolar dessa disciplina me fez entender porque minha mãe me batia quando eu lavava a cabeça estando menstruada ou quando comia manga com leite, por exemplo. Ter uma visão um pouco além daquela minha pequena cidade e família me fez ver – e também odiar – apanhar. E como apanhei. Apanhei até quando a minha prima de 15 anos, atenção para essa frase, a minha prima de 15 anos e não eu, havia engravidado. Como eu engravidaria se eu lia a revista Capricho quinzenalmente? Antes de isso virar um problema da geração Y, eu já era uma pessoa sedenta por informação. Lia as eras de Hobsbawn como quem lia Harry Potter.

Por um longo tempo fui obcecada pela Segunda Guerra, estudei tanto que poderia dar palestras, acho. Porém, nada supera os sete livros da saga Harry Potter na minha formação, confesso. Acho lindo quem fala que aos oito anos descobriu em Goethe a alegria para viver, eu, porém, só fui descobrir o valor desse último aos 21 anos. Hoje qualquer um lê A Divina Comédia com 13, Eneida com 14 e Ulysses no cursinho. Por que quando alguém diz que está lendo O retrato do artista quando jovem diz estar ‘relendo’? Acho que foi o Ítalo Calvino que disse que clássico é todo aquele livro que a pessoa diz estar relendo. Sei lá quem disse. Bem, foda-se, nunca li A divina Comédia. Nunca li O Jogo da Amarelinha, Ulysses, A Condição Humana e por aí vai.

Entretanto, li depois de adulta muitos outros romances. Romances que foram meus amigos e formadores. Relembro cada um deles com algum carinho e dor – já que algumas leituras nos destroem para sempre. Destaco Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, O Jovem Törless, A montanha Mágica, Doutor Fausto... Céus, nunca fui para a Alemanha, que ódio, que vontade de morrer. É cada idiota que vai para a Alemanha, não sabem de nada, compram um pedaço do muro de Berlim e ainda postam no Facebook crentes de que estão abafando. “Minha viagem foi incrííível, ver os dois lados de Berlim é muito surreal, nossa, fora aquela balada x que ficava no bairro y”. Inserir uma imagem do Grumpy Cat aqui.

Mas voltando, quando alguém me compara com a boneca Barbie, sou um corpo, uma imagem, algo a ser admirado ou penetrado. Mas o que é a beleza, não é mesmo? O privilégio branco? Aliás, vou até retirar o questionamento: beleza não é uma questão. Se eu tivesse um megafone, gritaria alto para todo o mundo ouvir que eu não sou só um corpo que parece ou não com uma boneca. Sou um ser humano inteiro, completo, que está aprendendo a se admirar e a se conhecer. Não sou menor ou maior do que ninguém. O meu transtorno de ansiedade e a minha depressão vêm do medo de não ser suficiente.

Não preciso ter medo da menina Y que fez seis intercâmbios diferentes bancados pelos pais, viajou para mais de 20 países e adora um festival de música na Califórnia. Ela não vale mais do que eu. Ela também não vale menos. Se estivermos numa mesa de restaurante, ela e eu, posso ouvi-la e quem sabe até fazer uma nova amizade. Por que guardar rancor e achar que sou a grande injustiçada do Paraná? “Você tem 27 anos e ainda é Repórter II?”. Sim, escolhi sair da empresa Z e ir para a empresa W para ganhar menos por acreditar no meu emprego e na minha carreira. Tenho a impressão de que hoje todo mundo quer te agredir por alguma coisa. Aprendi, depois de anos de rancor e pensamentos destrutivos, a parar de culpar os outros.

Aprendi ainda que para falar francês fluentemente, vou ter que pagar o meu próprio curso, com o suor do meu emprego que você esnoba como se não fosse nada. Que se eu quiser visitar os principais museus do mundo, vou ter que visitar pelo Google Maps. Que se eu não tive as mesmas oportunidades que outras pessoas, elas não são melhores do eu e o mundo é injusto e mau. Aliás, o mundo é injusto e mal. Vale lembrar que o Brasil não é nem uma república racial. Porém, não entremos nessa, não hoje. Na verdade, as pessoas não deveriam ter escalas de valores. Fulano vale isso, fulana vale aquilo. Porém, antes de fazer um tratado sobre o valor da humanidade, estou numa dura, duríssima, durantéééééé-éééé´-zima, caminhada em busca da minha verdade. Do quem é Taísa e do que ela é capaz.

Quando escrevo, sinto que posso levitar. Ou, dependendo do que faço, sinto uma adrenalina louca, algo como tarja preta com whisky, nem sei explicar direito. Gosto de ser uma romântica e acreditar que tenho uma vocação. Eu tenho uma vocação, taí, não custa repetir. Se olhe no espelho e repita “eu tenho uma vocação”. Eu sei escrever. Eu amo escrever. Eu escrevo todos os dias. É a minha religião. É a minha forma de conhecer a face de Deus e de entender o quanto certas coisas não são importantes. Quando alguém, mais uma vez, me agredir através da minha aparência física, seja numa tentativa de estupro, numa cantada, na comparação com uma boneca, vou levantar a cabeça e dizer um sonoro ‘Não’. Não sou isso.

Esses dias, vejam só, decidi comentar que não queria mais viver, que não valia mais a pena. Foi um escândalo. O psiquiatra teve um treco, meu namorado teve outro treco, meus familiares que estão lendo esse texto vão ter outro treco, todo mundo vai me ligar e gritar comigo. Gritem. Eu geralmente espero as pessoas pararem de gritar e vocês? Antes eu gritava muito, hoje já não grito tanto, não discuto com ninguém. Nessa minha jornada em torno de mim mesma, descobri coisas dolorosas, anos de abuso físico e psicológico que foram duros e que, entretanto, não representam mais quem eu sou. As marcas ficam, porém. Eu gosto das minhas marcas, olhem para elas, elas estão nesse texto.

Não sou uma vítima. Não sou mais uma vítima. Nunca quis ser uma. Foi por isso que me matei de estudar, acho. Li até meus olhos sangrarem. Fui atrás de assuntos que nunca me explicaram, nunca tive medo de digitar um simples “o que é existencialismo?” no Google. Nunca tive vergonha de começar na filosofia com o livro Convite à Filosofia da tia Marilena Chauí, que eu acho ótimo, diga-se. Busquei pela formação que julguei ideal e infelizmente ela passa longe da Sorbonne. Porém, é tudo que tenho. Eu me agarro a tudo que tenho com todas as forças. Aprendi ainda a tirar o melhor de todas as situações a que tenho acesso.

Quando tudo me faltou, amor de mãe, de amantes, de amigos, eu tive a literatura. Ali eu tive tudo. A minha vida é literatura. Passo horas lendo a mesma frase de um livro, faço isso até que ela faça parte de mim. O Ariano Suassuna, aquele belo senhor octogenário que deita no chão dos aeroportos do Brasil, nunca viajou para o exterior. Disse que sempre que sentia vontade de conhecer a Espanha, lia Dom Quixote e a vontade passava. Não é lindo isso? Não é lindo conseguir viver com pouco e não ter grandes ambições? Talvez um dia eu encontre a mesma tranquilidade.

Viver é de uma beleza incrível quando você decide que não precisa conhecer todos os países, ler todos os clássicos e emplacar grandes pautas diariamente. Estou aprendendo a querer menos. Tem um livrinho bobo do Alain de Botton que se chama Desejo de Status e lá tem várias lições legais. Se você estiver com seus vinte e poucos, talvez seja de uma grande ajuda.

Você quer escrever por qual motivo? Quer a fama? Quer provar que não é boneca Barbie? Quer dinheiro? Dificilmente isso virá. Quem escreve, precisa escrever. Simplesmente precisa. Parece bobo e mais um clichê enorme, mas, no fim das contas, é isso. Nada proporciona mais alegria do que o papel sendo agredido pelo grafite (dedos fortes no teclado também contam). Essa, inclusive, será a única agressão que deixarei que chegue até mim. Alguns dias nos levam ao chão outros nos deixam eufóricos. Os seres mais deprimidos dessa Terra são os que mais sentem vontade de viver e os que mais conseguem ver a beleza das coisas, acredito. Eles só precisam atravessar a dor. Ou transformá-la em arte. 


"Minha mãe sempre vestiu minhas irmãs como bonecas, porque em última análise também sempre as tratou como bonecas e provavelmente, isso não é exagero, pusera suas filhas no mundo como bonecas, não como seres humanos, mesmo quando adulta ela ainda quis ter uma ou várias bonecas. Suas filhas nunca foram outra coisa senão bonecas para a sua paixão lúdica, por isso ela nunca as largara da mão e sempre elas tiveram de reagir e obedecer como bonecas e como bonecas ela as vestira e alimentara e levara passear todo santo dia e à noite as pusera na cama. Ainda aos quarenta essas bonecas, minhas irmãs, submetem-se a esse instinto lúdico de sua mãe, penso. Mas também meu irmão a vida inteira só levou uma vida de boneco, ele foi por assim dizer o polichinelo de minha mãe, desde o início ela o criou como uma espécie de marionete de reserva para o dia em que seu marido, o marionete titular, lhe faltasse. Para minha mãe, com sua mania por bonecas, minhas irmãs eram de fato bonecas falantes que ela, quando quisesse, podia fazer rir ou chorar, que podia escorraçar quando quisesse, podia chamar de volta quando quisesse, vestir e despir quando e como quisesse, se seu marido, meu pai, e meu irmão, seu filho, eram marionetes cujos fios ela puxava a seu bel-prazer" (p. 92, Extinção, Thomas Bernhard)

Dirão vocês, sem dúvida: em que universo limitado teve de se formar essa jovem!

O mundo ao seu redor está em chamas e você nota um pequeno detalhe na sua cadeira giratória da firma. Duas entrevistas para fazer, sugestões de pauta para dar, checar informações que você já checou oito vezes e depois rechecar mais umas 29. Corro atrás de tudo como uma louca, nariz escorrendo, limpa o nariz, toma água, vai na máquina de café, volta, senta, respira e aquela pecinha quebrada no braço de apoio olhando diretamente nos meus olhos. Seria preciso resolver isso primeiro e só depois ir atrás de x, y e z. É impossível trabalhar com uma cadeira quebrada.

Digo, uma cadeira com uma pequena rusga no braço de apoio esquerdo. Depois de muito caminhar pela redação, consigo um tubo de Superbonder e decido colar a cadeira. O Superbonder não pega e eu meleco toda a cadeira de (pausa no texto para fazer a entrevista 1, falar com a minha editora sobre a entrevista 1 e decupar o essencial da entrevista 1).

Volto para a minha mesa, olho para cadeira e vejo que peça segue um pouco móvel, mas como recebo um email por segundo, acabo me distraindo. A entrevista número 2 segue um parto e ninguém atende ao maldito telefone e a última coisa que pretendo é chegar na mesa da chefia com um “não consegui falar com y”. Eu preciso de um plano. Decido passar lenços umedecidos em toda a minha mesa, telefone, monitor, mouse. É impossível trabalhar num lugar sujo.

Liga para assessor, para o cunhado da sogra, conta uma história emocionante sobre como você conseguiu um emprego novo, sobre como você precisa dessa informação, que há dez anos você estava jogando milho para as galinhas no interior do Paraná e que agora trabalha na revista z e precisa dessa matéria para ser feliz. A pessoa se solidariza, oferece ajuda, pergunta o nome nas galinhas, se eu quero alguma ajuda financeira, se pode mandar um bolo de cenoura para a redação.

Corta a cena. Preciso fazer 17 exames de sangue. Para isso, 12 horas em jejum. Tudo bem, não há comida em casa, não há dinheiro, talvez um hambúrguer de soja vencido no congelador? Quem poderá saber? Amanhece e decido ir a pé ao laboratório, afinal, segundo o Google, a distância é de 950 metros. Coisa de minutos, tiraria de letra. Percebo no chuveiro que não estou muito bem e decido tomar banho de cócoras. Coloquei todos os xampus no chão e fiquei no meu mundinho rasteiro até me sentir limpa.

Um pouco zonza, nada demais, saio de casa e começo a andar os meus novecentos e cinquenta metros decidida a descobrir um novo rol de doenças para chamar de minhas. De repente, tudo fica preto. Encosto num muro e apago. Volto da escuridão com dois estudantes universitários querendo saber se a moça estava bem. “Eu preciso de um pouco de açúcar”, respondo sentada no chão. Não tinha andado nem 300 metros! Ainda sentada no chão garanto a todos que estou bem, abro a bolsa, como uma barra de cereal com uma plateia pouco convencida da minha saúde, espero cinco minutos, levanto e volto pra casa. Decido ir ao psiquiatra após comer um pedaço de pão (principalmente a parte que não continha bolor).

“Taísa, você se dopou de novo?”, não eu estava apenas com fome, mas já passou. Conto que não deu muito certo a ida ao laboratório, mas que eu tenho um plano. “Taísa, você precisa parar de fugir das suas obrigações”. Passam dias, vou de carona, faço os exames, pego os resultados e não tenho absolutamente nada. Nem uma anemiazinha. Pura saúde de mulher de ferro. Nem um tremor irritado da minha glândula da tireoide que sempre me lascou. Nada.

Fico terrivelmente triste, nesses exames eu esperava encontrar a razão dos meus problemas. Aparentemente tudo é depressão ou transtorno de ansiedade. Quase seguro meu psiquiatra judeu ultra limpo e bem arrumado pela camisa social extremamente bem passada para dizer “escuta aqui, eu consegui tudo que eu queria na vida, tudo, até a porcaria do livro estou escrevendo, porque essa melancolia idiota?”, mas falo qualquer bobagem sobre a minha mãe e o fato de ela não ter me amado.

No limite das minhas forças, decido ir para Santa Catarina (de ônibus) para relaxar e curtir a companhia dos pinschers da minha mãe. Eu os amo. Meu coração explode em um milhão de cores com cada latido, lambida e jato de mijo. Como pode existir um amor tão grande como esse no universo? Vou à praia, ao veterinário, uso chinelos. Minha mãe paga salão de beleza, faço as unhas, saio com a amiga dos tempos da faculdade, dou risada e volto para São Paulo porque, infelizmente, amo a minha profissão e a cidade que escolhi para viver. Amo escrever, os pinschers, minha bicicleta, meu livro de 700 páginas-sem-fim, o Moleskine de oitenta reais que eu comprei no cheque especial porque toda menina precisa de um caderninho.

Agora tenho muitos eventos sociais e nunca mais tive a oportunidade de passar todo um fim de semana de pijama (geralmente sujo de molho de tomate/Doritos/chocolate). Deus, quanta nostalgia sinto daqueles dias recheados de nada. Quanta alegria numa simples calça de moletom. Lágrimas surgem em meus olhos e eu me imagino nesse tempo frio debaixo das cobertas, mas é preciso sair de casa e ir a treze casamentos. Não passei sete anos reclamando que não tinha amigos? A partir de hoje reclamarei ao contrário.

Outra: acho que matei o coitado do Gabriel García Márquez. Nunca tinha lido Cem Anos de Solidão e escondia essa pequena vergonha literária sempre que surgia o tema “literatura latina” nas conversas de bar com 'intelectuais'. Vejam, fiz Letras e Jornalismo, ter renegado esse clássico no meio da minha trajetória escolar é meio humilhante, dizem. Numa breve manipulação mental, fiz meu namorado comprar o livro para ele e peguei emprestado. Que grande choque, que arrebatamento, que loucura, que porra foi aquela? Estou até agora paralisada pela impressão que o livro me causou (todo mundo fala a mesma coisa, acho, não sou original, sorry). Uma semana depois da última página, morre o escritor. Ué?

Apesar de ter lido as obras jornalísticas na faculdade e aquele bizarrão das putas tristes, nunca tinha tido tempo para entrar na vida dos Aurelianos. Fui tão tonta. E, para não repetir a dose, comprei (eu mesma, por SETENTA REAIS) O Amor nos Tempos de Cólera, que também não li. Porém, não há previsão de quando ele vai entrar na minha planilha do Excel de livros a serem lidos. Estou numa fase de imersão na escrita, acho. Entretanto, deixo o recado, o próximo a morrer será o Günter Grass. Que gênio, é vergonhoso tentar escrever depois de lê-lo, o que acontece com os escritores alemães? Meu deus, esse não é um parágrafo sobre a supremacia literária alemã, antes falei do meu psiquiatra judeu, nossa, vou apagar tudo. Esse é um parágrafo sobre os setenta reais que gastei num livro, o resto é mentira e distorção dos fatos.

“Mas sempre que, como os sábios, voltava as costas aos livros, declarando-os sepulcros das letras, e procurava contato com gente comum, encontrava o pequeno batalhão de canibais que vivia em nosso edifício e, depois do breve contato com eles, sentia-me realmente feliz ao voltar a salvo a meus livros” (p. 115 – O Tambor, Günter Grass)

Como se comportar diante de um decote?

Sempre digo que tenho muitas coisas para fazer, que trabalho como um cão e que não tenho dinheiro pra nada. O problema é que isso é a mais pura verdade. A última vez que senti algum prazer foi em dezembro passado quando comi um pacote de Doritos de 400g em menos de meia hora. Aliás, eis o questionamento: se eu comer só Doritos e tomar um comprimido de Centrum todos os dias, tudo bem? Porque é essa a dieta que eu quero seguir. Doritos e Centrum. Li a bula dessas vitaminas e lá está escrito que terei 100% de todos os nutrientes diários que um ser humano precisa. Fora que Doritos não contém glúten, algo que, segundo todas as revistas de boa forma que comprei numa crise de ansiedade, é ótimo para o organismo.

Falando nisso, perdi 12 quilos nesse ano e ninguém notou. Fui demitida da empresa x em agosto e fui readmitida esses dias e ninguém notou nada. Jesus amado, quando foi que as pessoas perderam o amor uma pelas outras? Um elogio vai matar? E, vejam, eu nem fazia questão de emagrecer. Eu queria deixar de ser sedentária. Foi meio sem querer que perdi tanto peso.

Tudo que fiz foi caminhar numa esteira ouvindo Depeche Mode e, por gostar muito de Depeche Mode, andei o suficiente, acho. Algumas vezes corri, confesso. Entretanto, o que eu queria mesmo era conversar com pessoas do mercado editorial que não fossem afetadas ou pedantes. Pessoas como eu você que topassem uma cerveja amiga para falar sobre quais as probabilidades de um livro meu ser publicado por alguma editora; se meu texto é legalzinho, etc. Como será que publica um e-book? Será que consigo publicar pelo celular?  Reach out and touch faith. 

Resumindo, agora estou tão magra que preciso ganhar massa muscular para engordar ou apenas engordar. Acharia legal a primeira opção, algo me faz apostar na segunda. Tenho exames para fazer, talvez eu esteja morrendo, mas o médico disse que é apenas rotina.

Por causa do emprego novo na empresa x, não poderei continuar com a coluna na revista y. Sei que é triste, mas depois de chorar por dias em posição fetal, fiz uma escolha. Agora vocês poderão comprar a publicação somente para ver as mulheres sem roupa da revista y, já que meu ego tem certeza que vocês compravam pelos meus textos. Aguardem novidades. (Papo de sub-celebridade que não tem nenhum projeto em vista, eu realmente não tenho.)

Sigo devendo doze mil reais para o Itaú. Pago a parcela todo mês com aquela cara de mulher-independente-Beyoncé que paga suas contas sem nunca atrasar , passam os meses, e sigo devendo doze mil reais. Esse negócio de juros é algo realmente bonito de se ver, é tipo a multiplicação dos pães, mas sem o pão (que tem glúten). Se eu não tivesse cursado Jornalismo e Letras, cursaria Economia até o segundo semestre, acho. Durante o terceiro, teria cometido suicídio numa aula de cálculo qualquer. Minha história, felizmente acredito, é outra. Aliás, amo a minha história. Uma menina tão inocente do interior que vem para a cidade grande realizar os seus sonhos e os realiza parcialmente após quase morrer de tanto tentar.

Caras, se meu romance não emplacar, vou escrever um livro de autoajuda para pessoas que semi-venceram tardiamente na vida. Vejam, tenho 27 anos e as pessoas ao meu redor têm 22 anos ou menos. Eu me sinto velha sendo nova, começo a ver uma galera muito mais novinha passar por mim. Sabe gente que eu batia na escola? Eu era a novinha! Eu ainda quero ser a novinha cheia de sonhos e ambições. O lado bom é que talvez eu ainda seja, dizem que 27 são os novos 17. Fora que não ligo para cargos ou salários, nem sei acessar meu holerite. Já disse antes e repito, o dia em que eu parar de dever para o Itaú, meu ser estará destruído. Minha divida é a minha pedra filosofal.

Faço parte dessa geração que ninguém para de falar sobre, eu mesma não paro de falar nela, vamos falar nela, vamos falar nela, vamos falar nela, vamos nela, vamos falar nela, vamos falar nela, vamos falar nela, e somos ambiciosos, queremos fama, fortuna e glória. Eu só queria 12 mil reais, publicar meu livro e não ser demitida de novo.

Minto, eu queria muito um cachorro. E depilação a laser. Também acharia legal ter essas canetas chiques da Mont Blanc (não sei escrever). Perderia a tal caneta no segundo dia, mas adoraria ter uma, de verdade. Aliás, comecei a perder todas as coisas e a esquecer tudo. Entro no banho e não consigo saber se já passei condicionador ou não, fico surpreendida quando chega a sexta-feira porque não lembro de ter visto a semana passar. Perdi ainda todos os meus cartões de crédito e depois ainda perdi o cartão provisório de débito que o banco me deu enquanto eu aguardava a chegada dos cartões novos. Teve uma vez, isso em janeiro agora, que perdi meu cartão da poupança e bilhete único e só fiquei sabendo quando uma moça me adicionou no Facebook tentando devolvê-los. Uma fofa.

Apesar do meu médico garantir que não tenho esquizofrenia ou déficit de atenção, vivo num mundo só meu, cheio de histórias, diálogos dramáticos e desfechos brilhantes onde eu luto karatê e arrebento a cara de todo mundo que já me fez mal. Brasil, eu não sei fazer nada além de escrever e contar histórias. Mentira, aprendi a fazer muitas coisas legais durante a vida, por exemplo, consigo deslocar meu osso do quadril quando  estou deitada de lado. Ele volta no lugar depois.

Minha professora de Francês diz que tenho facilidade com idiomas, mas acho que ela só quer saber do dinheiro das aulas, não sei. Tenho muito amor por ela. Amor mesmo. Ela que tanto me maltrata. Eu amo a minha professora de francês e vou gritar para todo mundo ouvir. Menos para ela, porque seria estranho.

A canção de amor e de morte da porta-estandarte Taísa Szabatura

Uma das relações mais sólidas que construí em São Paulo foi com a minha professora de francês. Como nunca faço nenhuma lição e mal abro o livro texto, minhas aulas semanais funcionam como uma sessão de terapia. Apesar de certo glamour em pagar um curso de idiomas para reclamar dos meus problemas em outra língua, confesso que o avanço, tanto psicológico como cognitivo, era quase nulo.

Mesmo sem plano de saúde e com uma renda oscilante, decidi que estava na hora de procurar ajuda profissional. Minha professora, apesar de ser uma senhora sábia e vivida, insistia muito para que eu largasse tudo ou casasse. “Por que você não volta para Santa Catarina morar com os seus pais e procura um emprego por lá?”. Céus, porque não, porque eu tenho a bosta de um sonho, porque eu adoro São Paulo, porque passar na banca e comprar revistas que tenham textos meus me dá uma alegria que poucas vezes senti na vida. Cheguei até aqui para abandonar tudo e morrer abraçada nos pinschers da minha mãe?

Aprendi que para escrever bem, ter um emprego e ainda conquistar uma vida social normal eu precisaria, antes de tudo, de um diagnóstico psiquiátrico preciso. Sabem, eu quero e ao mesmo tempo não quero ser a VirginiaWoolf da região do Contestado. E para não me jogar em um rio qualquer cheia de pedras no casaco, agora eu visito um psiquiatra bacana que cobra um terço do meu salário para me dizer coisas duras e necessárias. A priori, achei ele bonito.

Não sei quando os manuais de autoajuda começaram a dizer que precisamos trabalhar com o que amamos. Aos 17, por gostar de escrever, decidi ser Jornalista. Nessa hora Jesus deveria ter voltado para o planeta apenas para dizer a verdade sobre a profissão aos vestibulandos. Se bem que, sendo ele um cara legal, santo e honesto, diria: “Meus filhos, é um tesão fazer reportagem, podem cursar jornalismo sem medo, vocês darão um jeito com dinheiro”.

Num mundo ideal das escolhas conscientes hoje eu seria uma professora de Literatura Ocidental prestes a escrever um segundo romance. Infelizmente, hoje sou uma pessoa que implora para escrever sobre xampu para cabelos grisalhos e ganhar R$300. Nada contra escrever sobre xampu, depois de muito desprezar a prática, acredito que me tornei uma das melhores jornalistas brasileiras na cobertura de cosméticos e produtos de higiene.

Bem, vocês sabem o prognóstico. Nasci em 1987 acreditando que era capaz de tudo e de qualquer coisa, bastava força de vontade e capacidade. E a geração Y, eu, você e a personagem vivida pela Lena Dunham em ‘Girls’, temos visto que as coisas não são bem assim.

Somos mimados, viciados em internet e acreditamos ser a voz de nossas gerações. E nós, infelizmente para mim, não somos. Somos criativos, claro. Cheio de ideias, obviamente, mas somos um exército e nossa frustração pode ser farejada de longe.

E você se veste e vai em entrevistas de emprego e conta tudo que você já fez e tudo pelo que passou. Você se repete até a exaustão para dizer que conseguirá manejar todas as plataformas; que o papel morreu, que o leitor quer isso, que o leitor quer aquilo, que as redes sociais já fazem parte das nossas vidas, que o celular é a nova revista, que o tablet, que o computador, que a televisão do elevador, que o relógio, que não sei mais o quê. Devo, sem a menor dúvida, ter lido todos os artigos sobre o futuro do jornalismo que já foram publicados no mundo. Só que o problema é que ninguém sabe ao certo o que vai acontecer.

Assim como muitos, faço dezenas de coisas ao mesmo tempo, leio mais de um livro por vez e dois jornais diariamente, trabalho em um portal de notícias e estou sempre escutando músicas ou rádios francesas. Isso fora todos os artigos que chegam até mim através das várias redes sociais que faço parte. Estou online. Eu sempre estive online. Eu estou online desde que tenho 12 anos. Esses dias preenchi um formulário que perguntava “Quantas horas por dia você acessa a internet?”, seguida de “Em qual local você acessa a internet?”. Para mim, essas perguntas não tem o menor cabimento e eu passei horas pensando nelas. Pensando nelas e lendo meus três livros, minhas seis matérias e respondendo oito e-mails enquanto também pensava que deveria estar fazendo meus frilas no lugar de fazer postagem pra blog.

Refém da ansiedade desde os mais tenros anos, sempre andei tremendo da cabeça aos pés. Troco quase todas as palavras, sinto uma coceira irresistível no rosto e roo a unha de apenas um dedo de uma das minhas mãos. Incapaz de qualquer coordenação motora, em algum momento da minha adolescência, perdi a capacidade de falar corretamente com as pessoas. Passei a deixa-las falando sozinhas e adquiri manias que nem saberia enumerar agora.

Isso sem falar nos pensamentos repetitivos. É aquilo de você passar a noite toda repassando conversas que você não teve e imaginando situações que nunca aconteceram ou como você reagiria se acontecessem. E foi assim que ‘deixei de funcionar’. Com tanta pressão por emprego, sanidade mental e bons textos, parei de dormir.

Passei a dormir de duas em duas horas acordando com pesadelos, em três turnos, totalizando seis horas de sono por noite. Comia só macarrão congelado e as porcarias mais fáceis de encontrar ou fazer. Pensar em comida era a última coisa que passava pela minha cabeça. Engordei dez quilos em um ano e adoecia por qualquer coisa. Não ia ao médico, não escrevia, não fazia nada. Passei meus dias bêbada olhando redes sociais e criando situações irreais na minha cabeça. Fiquei meses sem produzir nenhuma linha e me preocupando com os comentários bobos, com as situações mais toscas, com as notícias irrelevantes e com as picuinhas sem sentido do mundo online no lugar de fazer o que eu mais gosto e entendo na vida: escrever.

Apesar de inegáveis progressos profissionais, sinto que joguei fora os dois últimos anos da minha vida por não ter estrutura emocional. Minha autoestima estava tão baixa que eu me apaixonei por um cara casado que pesava mais de cem quilos. Um sádico que me fez acreditar que eu era um lixo de pessoa e eu, por incrível que pareça, acreditei. Eu não tinha ninguém em São Paulo e fui uma menina tola. Ainda tenho vontade de pegar a minha lapiseira 7.0 e enfiar dentro do meu olho para ver se consigo parar de me sentir tão imbecil. Mas o passado fica para trás e sempre podemos recomeçar. Decidi, depois de quase morrer de amor, de tédio, de pobreza, de tristeza, de amargura, de insônia, de rancor e de ódio, mudar radicalmente a minha maneira de viver e encarar o mundo.  

Sempre senti um certo desprezo por pessoas que frequentam academias. A frase “barriguinha definida, cabecinha deformada” surgia na minha mente quando eu pensava em investir na minha aparência física. Minha obsessão com uma suposta ‘formação intelectual’ me fez cair em diversos clichês e erros tão imaturos que só consigo perceber agora. Estou investindo em saúde e não na aparência física da Juju Salimeni. Nada impede uma pessoa de ler todos os clássicos alemães do século dezenove e ainda fazer uma aula de Pilates de vez em quando. Mente sã, corpo são e todo aquele papo. Aprendi que preciso cuidar do meu corpo e não há nada de cafona ou burro nisso. Todo dia de manhã eu visto a minha legging da Adidas e vou com tudo na malhação: Pilates, corrida, Spining e várias atividades que não sei o nome, mas que a academia do lado da minha casa oferece. Abandonei a comida congelada e estou craque nas tabelas nutricionais dos alimentos. Perdi, de maneira saudável, sete quilos em 50 dias. Minha pele ficou melhor e meu cabelo parou de cair aos montes.

Entretanto, nada disso seria possível sem a consciência de que eu sou uma pessoa que precisa de acompanhamento psicológico. E não falo do meu antigo psicólogo meia boca. Alguém formado em medicina que pudesse fazer um diagnóstico completo das minhas manias, ansiedade, transtornos e todas os problemas que demorei muito tempo para encarar como uma coisa real. Lá no interior do Paraná onde nasci, não havia essa preocupação com a sanidade mental das crianças. Meus pais sempre foram muito humildes e, para você ter uma ideia, até os meus quinze anos, minha mãe brigava comigo se eu lavava a cabeça estando menstruada. Ah, o interior. Leio William Faulkner com o coração na mão por me identificar com o ‘atraso do sul’.

Porém, quando se quer ser escritor, é muito legal pensar que todos os abusos psicológicos e físicos que você sofreu na infância e adolescência o ajudarão a escrever melhor. Nem sempre. Eles podem matar aos poucos se nunca encarados de frente. Só agora começo a aceitar as situações pelas quais passei. Em tratamento há algumas semanas, sinto que voltei a usar minha mente de maneira saudável. Consigo pensar nas minhas escolhas e já não ajo por impulso e com raiva do mundo. Consigo deixar o celular de lado e me preocupo com as coisas que realmente fazem sentido pra mim. Agora tenho consciência de quem eu sou e isso trouxe a autoestima que nunca tive. Tenho ainda um relacionamento saudável. Alguém que me apoia e que me ajuda em tudo. Até na hora de preencher cheques, algo que eu julguei impossível sem assistência. 

Esse blog, com seus sete anos de existência, me ajudou a crescer como pessoa. E é uma alegria sem fim ver que ele virou uma coluna numa revista de circulação nacional. Escrever é a minha essência e eu tenho produzido cada vez mais. Comprei um caderno, organizei as ideias e comecei a estabelecer planos de médio e longo prazo. E um desses meus objetivos é postar mais nesse espaço. Pretendo até arranjar um dinheiro e contratar um designer para dar um tapa na página. Espero que os meus treze leitores fixos fiquem felizes com o resultado. 

Se um dia eu aparecer vestida com uma legging de oncinha atire pra matar

Meu analista disse que eu só posto fotos dos meus vinis no Facebook para sustentar uma imagem. Eu olho bem séria para a cara dele. Para postar fotos de amigos felizes eu precisaria de amigos felizes, meu caro. Eu até deleto o Facebook se for para ganhar alta. Não que eu odeie o meu analista, ele, além de sua formação como psicólogo, também sustenta um diploma de jornalista. Sempre tentei perguntar sobre essa segunda graduação, mas ele disse que o objetivo é falarmos sobre mim. Ficou até desconfiado, queria saber como eu descobri esse lance dele com o jornalismo. Falei apenas que eu não era a única na sala tentando sustentar uma imagem no Facebook. 

Voltando ao vinil. Não nego que esteja sustentando uma imagem, mas eu gostaria de sustentar uma nova imagem, a imagem de uma guerreira que faz tudo para ter certos discos. Postar a foto no Facebook é ser o gato que traz o rato para mostrar ao dono. Olhe esse vinil do Dylan, eu mesma matei. Com sorte, quatro pessoas curtirão. Dedilhar pilhas de discos não é uma atividade prazerosa e fico cada vez mais deprimida quando me dou conta de todos os exemplares que não tenho. Como o mundo virou um lugar muito moderno, algumas lojas de vinis fazem propaganda dos discos novos do acervo pelo Facebook, mas não os vendem pela internet. É horrível largar tudo que se está fazendo e correr para as lojas do centro de São Paulo. Esses dias pisei de sandália no vômito de alguém na rua Barão de Itapetininga. 

Tenho trabalhado tanto, mas tanto, mas tanto, que nem sei medir o quanto. Nem quando eu servi de mão de obra barata num resort de luxo no caribe eu trabalhei tanto, nossa, mas tanto, que nem tenho tempo de abrir a tampa da vitrola e parar para ouvir alguma coisa. Eu meio que comecei a trabalhar de novo, mas não me identifiquei com o meu trabalho novo e pedi para sair, mas ainda não saí. Tenho abraçado vários trabalhos como freelancer e as pessoas têm sido bem legais comigo. Chegaram até a me pedir para escrever profissionalmente sobre o Morrissey. E parece que vão até me pagar por isso.

Acho que estou escrevendo melhor do que no passado, descobri ainda, que quando bebo, os textos ficam com mais fluidez e recursos de estilo. Fico feliz que exista um aplicativo no celular em que eu possa comprar bebida sem precisar falar com ninguém (entretanto, preciso me vestir para pegar na portaria). A cerveja Itaipava é a mais barata do cardápio, mas você precisa gastar pelo menos trinta reais e o motoboy chega carregado. A chata da síndica que está cobrindo um porteiro faltante aproveita para me dizer um "maneire na festa, mocinha!". Nossa, que cretina. A última vez que fiz uma festa eu tinha nove anos e a decoração era "fundo do mar". Pedi uma fantasia de sereia para a minha mãe, mas não ganhei e usei uma roupa normal. Daquele dia em diante meu rancor só cresceu.

No último domingo, depois de várias visitas do motoboy ao meu prédio, meu corpo finalmente sucumbiu e fui parar no hospital com a garganta e o ouvido em chamas. Gasto o valor de dois vinis importados em antibióticos e admito para mim mesma que preciso mudar o meu estilo de vida. Para absorver Ferro, consumo muito vegetal de folha escura com suco de laranja, fico mastigando a rúcula e bebericando o meu suquinho com uma cabeça cheia de coisas para pensar. Mastigando e pensando, mastigando e pensando, mastigando mais do que pensando.

Quanta linhaça eu preciso comer para ter um bom estoque de ômega 3? Começo a tomar vitaminas, abandono a farinha branca, me imagino de legging e tênis de ginástica, faço orçamento na academia. Com o preço da academia poderia voltar a fazer piano. Provavelmente eu não tenho dinheiro para nada, mas faz muito tempo que parei de conferir meu saldo. "Moça, seu cartão não passou" virou o único termômetro das minhas finanças. Preciso comprar um biquíni, quero muito um cachorro. Será que consigo fazer luzes no meu cabelo sozinha?

Fico arrasada com a morte do Lou Reed e decido fazer uma tatuagem, chego a colocar o desenho no corpo, mas desisto, já basta aquela tatuagem que removi em 2011. Preciso aprender a cozinhar, mas não tenho dinheiro para comprar panelas. Preciso de uma impressora, eu escreveria melhor se tivesse uma impressora, faço pesquisas para encontrar o melhor preço, mas desisto. Compro uma máquina de escrever numa feira de antiguidades. Penso que eu deveria ter um filho, mas sou hipocondríaca demais para engravidar acidentalmente e nunca acharei o momento certo na carreira para fazer isso de forma planejada. Aliás, que carreira? Eu mal tenho um emprego. Acho que eu deveria aproveitar esse período para passar cinco semanas no Canadá estudando francês. Faço até o orçamento, mas desisto. É difícil planejar uma viagem internacional sem olhar o próprio extrato. 

Olho no espelho e digo para a minha imagem que nunca mais vou comprar um livro até que os últimos quarenta e seis que eu comprei sejam lidos em suas totalidades. Claro que não cumpro. Com um iPad em mãos reflito sobre esse lance de e-book, compro alguns, mas não consigo chegar a nenhuma conclusão. Leio livros para matérias, releio livros que já li, mas mal tiro os novos de suas sacolas e sinto que preciso de alguma forma de punição. Nunca mais vou sair de casa. Só vou sair de casa para ir à academia. Vou reler todos os meus livros do Thomas Bernhard. Como será que posso escrever melhor? Quando será que eu vou parar de ter acne? Tem uma idade que o seu corpo percebe que você já saiu da puberdade e fala "Ok, chega de acne pra você"? Eu escreveria melhor se não passasse horas no espelho me espremendo. Acho que vou começar outra faculdade ano que vem. Ou será que faço uma pós-graduação? Eu realmente quero um cachorro. Eu deveria ter nascido em 1975, é tão angustiante fazer parte da geração Y. Somos um bando de idiotas, suspeito.

O meu rosto está sempre coçando e o meu cabelo está sempre atrapalhando o meu rosto. Atualmente sou uma pessoa cheia de manias e tiques, tremendo da cabeça aos pés, roendo apenas uma das unhas das mãos. Aliás, eu passei a adorar o cheiro das minhas próprias mãos (!) e não consigo parar de cheirá-las. Cadê a Taísa loirinha, com vestido de camponesa, correndo pelos campos floridos? Talvez a fofura seja impossível para as mulheres, que assim como eu, calçam 39 e são obcecadas pelas próprias mãos.

Eu não estaria nesse estado emocional se tivesse feito como todas as minhas amigas do ensino médio. Elas casaram antes dos 22 anos por vontade própria, adotaram o sobrenome do marido e cursaram faculdades como Farmácia, Fisioterapia ou História. Minha maior mágoa é não ter cursado História. Brincadeira, tenho mágoas bem maiores. 

Eu ainda tenho fôlego para escrever poemas tão azedos quanto os de Pasolini

Devo perder a audição em seis meses. Não mais que isso. Porém, enquanto a surdez não chega, ouvirei música. Ouvirei Tchaicovsky no último volume e ouvirei até a chata da Madonna. Eu só não quero estar ciente dos meus pensamentos. Pare um momento, olhe para a minha frustração, pegue no peitinho dela, pegue no joelho dela, desça mais um pouquinho. Eu deixo a frustração ser parte de mim. E eu gasto dinheiro com muita porcaria, vocês bem sabem, mas nunca me arrependi de ter comprado esse fone de ouvido. Mal consigo ouvir as dores da minha alma. Não é maravilhoso? 

São três da manhã de uma terça-feira e eu trabalhei como uma desgraçada. Quantas matérias estou tocando ao mesmo tempo? Eu já nem sei. Sou uma jornalista desempregada que vive de trabalhos como freelancer, ou como dizem no meio, sou frila. Não sei como explicar, mas talvez eu faça uma camiseta com "I Love CLT" com a tinta do meu próprio sangue. Essa incerteza toda não faz bem para a minha tireóide. Quantos nãos um adulto saudável consegue receber por dia e sair ileso?

O momento é de economia total, mas como você é uma daquelas jornalistas com um forte ímpeto literário, você compra muitos livros; nem sempre os lê, é verdade. Na Livraria Cultura, com o dinheiro mais que contado, você cisma que precisa sair de lá com 'O Tambor', do Günter Grass. Afinal, ele está na sua listinha há anos. Por que não agora? Talvez agora seja uma boa hora, talvez ele mude tudo. 

Resolvo ler o primeiro capítulo na livraria para evitar qualquer remorso. Livros com mais de setecentas páginas exigem algum planejamento. Com o primeiro parágrafo levei um soco no estômago. Na segunda página já tinha dois dentes a menos e estava sangrando no chão do Conjunto Nacional. Quem bate é o próprio escritor, um nazista violento que arrebenta a sua cara porque sabe que você nunca, mas nunca, nem nos seus sonhos mais solitários e juvenis, escreverá bem daquela maneira. Ler aquele capítulo foi ofensivo, uma humilhação que eu não esperava passar agora que estou tão fragilizada. Procuro o caixa com a cara da derrota. 

O livro, para sacanear mais um pouco, custa oitenta e um reais, mas quem liga para preços quando não se sabe o dia de amanhã? Pode passar no crédito. Não sei se estava lendo muita autoajuda barata, mas esse livro me chocou muito pela qualidade. Preciso comprar um tambor, preciso me matricular na aula de tambor. Adoro fazer matrículas. Comecei a fazer aulas de escrita criativa em inglês, mas precisei abandonar as de piano. Saco. Procura-se patrocinador. 

E agora fico aqui olhando para as paredes enquanto tomo todas as cervejas do Brasil, pensando em como eu digito rápido. Eu deveria ganhar um prêmio, nenhum teclado é páreo, eu esmerilho na arte milenar da datilografia. Mas digitar o quê? "Que bom que você copia Guerra e Paz em 56 minutos, mas agora mostra pra gente do que você é capaz". "Taísa, publique o seu livro, eu vou ajudar", olha, eu não quero publicar nada. Eu quero me trancar no quarto e sofrer por tudo que é impossível agora.

Sabe o que é impossível? Retirar o meu diploma de Jornalista e fazer o meu registro profissional no Ministério do Trabalho. Algumas empresas fazem questão disso, uma fadiga, eu sei. Nunca fui buscar o meu diploma. Lembro muito bem da colação de grau, na qual fui de legging e moto-táxi, mas ir até a secretaria pegar qualquer papel, nunca me ocorreu.

Tudo bem, eu aceito que a vida seja uma eterna burocracia, que existem regras que precisam ser encaradas de frente e decidi ir atrás do meu diploma catarinense. Para o meu choque, arrebatamento mesmo, a primeira via do diploma é totalmente gratuita. Se você, assim como eu, se formou em universidade particular, você deve entender o que estou dizendo. O tempo de espera para retirar o documento: trinta dias úteis. Até lá já contrataram outra loirinha.

Crente de que isso poderia ser resolvido, mandei um email para o coordenador do meu curso. Falo quem sou, quando me formei e pergunto se ele lembra de mim. Ele responde: "Sou velho, mas não tenho Alzheimer, claro que lembro." Achei essa resposta tão engraçada que passei seis minutos rindo, mas se você for pensar, ela não é nada engraçada. Fiquei apenas feliz de alguém ter respondido um email meu. Infelizmente, ele não pode me ajudar, acontece que o diploma precisa da assinatura do reitor,do coordenador, da tia da cantina e esses trinta dias úteis são assim mesmo.

Entretanto, nada disso se transformou em um problema real, pois não sou aprovada no processo seletivo que exigia diploma de Jornalista. Aliás, eu sempre soube que não passaria. Colocaram um papel na minha frente e pensei "Ah, legal, vou escrever um texto, vou mostrar pra eles do que sou capaz", mas não. Na minha frente estava um teste de raciocínio lógico com perguntas do tipo "Se Maria nasceu antes de Ana, que nasceu depois de João, quando nasceu Márcio?". E eu simplesmente não conhecia essas pessoas. E não só isso, colocaram umas questões de matemática, "Se 2 + 2 é igual a 4, calcule a massa do Sol". Deixei boa parte em branco, mas tudo azul, outra vez nós dois. 

E eu até saberia fazer algumas coisas. Foi na regra de três que me safei das reprovações da minha saudosa vida escolar. Não sou completamente retardada, acreditem. Porém, durante o teste, era proibido escrever qualquer coisa na folha, tudo precisava ser feito de cabeça, nenhum risquinho. Fiz décadas de Kumon, juro, décadas, mas mesmo assim, não era capaz daquilo. Até pensei em usar o papel para desenhar uma réplica do túmulo do Napoleão Bonaparte e mostrar assim o quanto era criativa, mas desisti. 

Como decidi ser uma pessoa melhor, não guardo mais rancor, bola pra frente, vejam como os pássaros cantam numa manhã de sol etc. A verdade é que os dias passam e chego até a recusar algumas vagas. Não estou podendo, isso é evidente, mas não tenho estrutura emocional para trabalhar com certas coisas. Ainda acho melhor ser desempregada do que dar um tiro na cabeça, mas essa é apenas a minha opinião. Sabe aquele botão "Denunciar Abuso" do Facebook? Eu queria apertá-lo diante da vida. Nem para a editoria Gatos me convidam. E eu amo gatos. 

Eventualmente abandonarei qualquer ideologia ou sonho profissional e voltarei naquela minha antiga fase de trabalhar em hotel ou loja de shopping. Eu pelo menos tentei, eu vim até aqui. Guardarei os recortes das revistas onde publiquei e mostrarei para os meus netos. Devo pegar o meu diploma de jornalista apenas para vias decorativas e usar a minha formação em Letras para virar professora de Inglês ou Literatura. Acredito que poderei ser plenamente feliz assim, sempre foi o meu Plano B. Eu gosto de ter um plano. O lado bom é que eu nunca quis ter dinheiro. Carro, casa, Macbook, mobilete, bolsa da Chanel, nada. O dia que eu parar de dever para algum banco, talvez o meu espírito seja totalmente destruído. Não quero correr o risco.

Mas mesmo com a ideia de um segundo ofício, eu não consigo encontrar tranquilidade. Eu nunca encontro paz. O meu estado é tão grave que fui num show cover dos Smiths e chorei. Eu chorei de emoção com uma banda cover. Tentei ainda subir no palco para abraçar o Morrissey e o Johnny Marr, mas alguém me impediu. Eu os amo. Como é legal beber e voltar para 1984. Espero poder fazer isso de novo qualquer dia desses. Quem poderia desconfiar que a máquina do tempo nada mais era do que uma garrafa de Jägermeister? 

E até quando você se sente original e única, algo aparece para te fazer pensar, parar de frescura, como diria o outro. Aconteceu de eu ir ao cinema ver 'Frances Ha'. Como os jovens de 27 anos se parecem. Oh, como somos parecidos! Como eu me identifiquei com a personagem. Ela é tão desajeitada quanto eu; enorme e desajustada. Cacete, o melhor filme de 2013, que espetáculo, acho que vou ver de novo. Nunca esqueci que me matriculei no francês para ler Proust no original, a protagonista fala disso. No fim das contas, fiquei na tradução do Mario Quintana, mas nunca abandonei a ideia. Ainda não matei os sete volumes, quem sabe ainda dê tempo. O meu progresso nas aulas é visível, mon cher, vou até mudar de nível. Céus, eu preciso de um clone. 

"For the good life is out there somewhere
So stay on my arm, you little charmer
But I know my luck too well
Yes, I know my luck too well
And I'll probably never see you again
I'll probably never see you again
I'll probably never see you again
I'll probably never see you again..."

Em busca do tempo perdido - No caminho da demissão

Você está na fila do buffet e logo aparece alguém para te dizer que o Jornalismo morreu, que os empregos acabaram, que a revista que você trabalha irá fechar e que o futuro é feito somente de desamor e mídias alternativas. Poxa, mas na fila do buffet? Não só na fila do buffet, mas no elevador, na máquina de café, naquela hora que você achou que tinha encontrado um esconderijo secreto dentro da empresa. "Eu ouvi que gnomos vão comprar a revista X e 2.575.986.241 pessoas serão demitidas". Você sente vontade de responder sobre como pensou o dia inteiro naquela sua velha vontade de tirar as amígdalas. Como será que as moças dos filmes privê conseguem engolir tudo aquilo? A verdade é que você não tem o que responder, não queria responder, mas e o networking, meu Deus, e o networking? Imagino Dante lá no sétimo círculo do inferno tendo que fazer networking para poder subir na vida. 

A pessoa finalmente se afasta e é inevitável pensar no que será feito com aquela dívida do Itaú de vinte e sete mil caso a demissão seja uma realidade. Nunca fui demitida. Também nunca fui pra Disney. Será que vou chorar? Provavelmente eu chore. Se eu for demitida, vou com a minha roupa do corpo até o rodoviária do Tietê e compro uma passagem para Santa Catarina. Saio da terra do Dr. Geraldo com um único objetivo: abraçar os pinschers da minha mãe. Só eles me darão a serenidade necessária. O importante é ter um plano e não dar voz para o desespero. Esse é o meu plano.

Tirem esse Band-Aid de uma vez. Joga essa verdade na minha cara. Passa essa bola pra mim. Quando você considera o seu emprego a coisa mais bonita e extraordinária que já aconteceu na sua vida, talvez você enlouqueça nos primeiros dezessete boatos de falência da sua empresa. Talvez você arranque os cabelos e grite "WHAT DO YOU WANT FROM ME", como as mocinhas em perigo dos filmes de terror.

E, de repente, você se pergunta porque ama tanto o seu trabalho, porque não quer largar o osso, quer lutar até o fim. Alguém diz que a melhor coisa que poderia acontecer agora para você é uma demissão. Quatro letras surgem na sua mente: I, T, A, Ú. Eu amo meu trabalho, amo fazer networking, amo os pinschers. Não quero ir embora.

Esmagada em todas as horas, sempre devendo dinheiro, enfrentando críticas pesadas, suportando as piores tarefas e sempre fracassando. Como um texto sobre xampu pode estar tão errado? Deus, eu odeio a minha vida. Eu odeio a minha vida dos últimos dois meses. Mentira, eu já odiava antes. Eu sempre a odiei em partes. Acontece que eu cheguei ao fim de uma jornada. Será que eu sonhei o sonho errado? Mentira, eu amo a minha vida. Quero ser Jornalista até morrer.

E a bomba finalmente cai, sua revista fecha e você é demitida.E tudo de uma maneira tão banal. Primeiro chorei escondida, depois chorei em público, em seguida bebi tudo que vi pela frente; e hoje fui com a maior cara de fracassada entregar a minha carteira de trabalho na empresa. Não é o fim do mundo, mas me tirou a vontade de almoçar. Eu amo almoçar. Nada pior do que uma vida sem amor. Dizem que mais de duzentas pessoas foram demitidas no mesmo dia que você. Outras revistas fecharam. Sites inteiros chegaram ao fim. Você vê gente de calibre sendo mandada embora, você fica atrás delas na fila do exame demissional, inclusive. "Oi, admiro o seu trabalho", quero dizer, mas não digo. Você vê que você não foi embora por incapacidade, mas pela assustadora frase : NÃO HÁ VAGAS, O MODELO DE NEGÓCIOS FALIU.

Eventualmente você consegue parar de chorar e de beber. Ou apenas de chorar. Começa a disparar emails dizendo quem você é, porque gostaria de trabalhar na empresa x, faz de tudo. Sua mãe manda SMS dizendo que você é linda e talentosa. Aliás, todo mundo te chama de talentosa. A talentosa acorda no dia seguinte e assiste ao programa da Fátima Bernardes. É tanto talento que começo a chorar.

Daí alguém diz que você vai ser transformar na Carson McCullers brasileira, mas no fundo essa pessoa só quer te levar pra cama, e quase consegue, pois você realmente queria ser a Carson McCullers brasileira. Nunca vou me esquecer daquela vez que falaram que eu escrevia como o Henry Miller, mas me comportava como a Stephanie Meyer (a autora da saga Crepúsculo). Aquilo me ofendeu tanto, mas tanto. E se for pensar, é um puta elogio. Acho legal ninguém me falar nada, nem agressão, nem elogio. Acontece que não tenho estrutura emocional para a opinião alheia.

"Mas, Taísa, você não pode abrir o blog para o público, as empresas não gostam desse comportamento!", mas é só o meu blog pessoal, gente! Sou super boazinha, entrego tudo no prazo, entrevisto pessoas como ninguém, faço tudo. Sou daquela geração que usou muito a ironia e depois virou fã do David Foster Wallace e quer viver sem ironia nenhuma, a tal geração pós-ironia. Você toma uma decisão: deleta Twitter, Instagram, Foursquare e apaga as notificações do celular. Você não quer mais ser aquela pessoa que vive na internet para a internet. Você não queria nem postar mais nesse blog, mas, céus, você ama o seu blog, desde 2006 amando esse blog. Desde fevereiro de 2006, gemendo e chorando nesse vale de lágrimas.

"Taísa, publique o seu livro sobre o cemitério!". A Carson McCullers nunca publicou um livro sobre cemitério. Fui para Paris esses tempos (R$26 mil em dívidas) e fui em todos os cemitérios da cidade. Honestamente, acho que alguém deveria criar um GPS de túmulos. Achar o do Julio Cortázar não foi fácil, estou até agora tentando achar o do Manet. Se alguém que estiver lendo este nobre espaço precisar de alguma especialista em arte sacra ou tumular, não se acanhe em me escrever. Tenho entendido cada vez mais sobre Igrejas, mas meu forte ainda são os cemitérios. Sabe, não sou daquelas que mente no currículo.

Será que um dia voltarei para o mercado de trabalho? Será que voltarei a escrever em uma revista de circulação nacional? Será que um dia terei dinheiro pra conhecer os cemitérios de Praga? De acordo com os livros de autoajuda que folheei no Conjunto Nacional, só depende de mim. Ah, mas como eu sentirei falta do pão de queijo da empresa, a verdadeira Madeleine proustiana. A proteína de soja também era ótima. Talvez eu nunca supere essa demissão e vá morar lá com o João de Deus ou com o Inri Cristo ou com a minha mãe, tudo é tão confuso.

Por falar em mãe, ela acabou de me mandar SMS dizendo que "acende uma vela por dia para eu sair dessa vida", não entendi de qual vida que ela quer que eu saia. Nunca largarei o Jornalismo, acho. O prazer que eu sentia quando um texto meu não voltava todo pintado de vermelho ou quando meu editor sublinhava uma frase e desenhava uma estrelinha. Nossa, era tão lindo. Também sinto falta dos dias em que ele me chamava para conversar com a maior cara de meu-deus-você-é-analfabeta? Ah, que saudade das coisas que aconteceram antes de ontem. O saudosismo de quem tem 26 anos é assim. Alguém deve ter explicado esse sentimento em um texto super foda da New Yorker que você leu só até até a página três (de dezessete, afinal, ninguém tem tempo; eu sei).

Falando nisso tudo, amanhã tem aula de francês, paguei seis meses adiantado e a partir de agora me declaro Estudante. Melhor que Desempregada.

A grande lição de uma ex-modelo, atual jornalista e futura escritora do Brasil


A melhor coisa que fiz foi comprar um celular da TIM. Ele nunca funciona e ninguém consegue me ligar. Paz, silêncio e impossibilidade de conferir o lixo que assola o Facebook. Nada. Absolutamente nada. Você finalmente se encontrará sozinho quando se tornar um cliente TIM. Não é maravilhoso? Quanta filosofia pode nascer quando as pessoas finalmente calam a boca. As possibilidades são infinitas. Céus, eu poderia gozar.

Haverá quem diga que você nunca atende o celular. Coloque as mãos cintura e diga o quanto o serviço de telefonia é uma porcaria, que a culpa não é sua, coitado do pobre consumidor que paga caro ad infinitum. Melhor, nem se dê o trabalho do cinismo. Explique calma e pausadamente que você não gosta de falar ao telefone ou que não pode atender naquele momento. Acredite, a educação e a sinceridade desarmam qualquer um. Aliás, não recomendo nunca dizer na cara de uma pessoa que você não gosta dela. Até porque você provavelmente não tem nada contra, só não gostaria de ter nada a favor. Lembre-se, a grosseria gratuita é vergonhosa. Não faça papel de vilã mexicana afetada. Nunca fale alto e mexa muito os braços. Ninguém gosta de quem fala alto e mexe muito os braços. Não seja uma pessoa assim. Sério.

Sei lá, eu apenas prefiro me comunicar via email. Será que eu estou pedindo muito? Sempre acesso o email em horários específicos e com o espírito preparado para qualquer coisa. Pode mandar que eu mato no peito. Não tem erro.

Eventualmente filhos do capeta enviarão mensagens, mas você estará preparado. Se você, assim como eu, for daqueles que tem o coração preto e peludo, repleto de rancor, você precisa estar preparado para tudo. Nunca se esqueça disso. A pessoa desajustada emocionalmente não pode se dar ao luxo de agir por impulso. Grandes guerras começam assim. Acho. Ou seja, não precisa abrir o email na hora, o segredo da felicidade é se poupar dessa gente toda, dessas festas todas, da foto do pé na areia curtindo Salvador, daquela última palavra que o cara que te dispensou resolveu dar. Levante da cadeira giratória do seu escritório, tome um café, xingue mentalmente o remetente, responda e siga a sua vida. Eu demorei muito tempo, mas muito tempo mesmo, um tempo que hoje me é caríssimo, para aprender que não preciso fazer média com pessoas que eu não gostaria de ter por perto. Eu era, por insegurança, muito dada. Algo sobre ser muito bonita e vazia, precisar do elogio dos outros, essas coisas. Dada no sentido de simpática, diga-se.

Eu, depois de ir a todos os tipos de festa e fazer todos os tipos de amizade, descobri que não há nada nesse mundo que me faça mais feliz do que ficar em casa fazendo as coisas que eu gosto – ler, escrever, escutar música. Eu tenho uns cinco amigos e eu gosto muito deles. Muito. Talvez eu seja uma das pessoas com mais disponibilidade para amar que eu conheço (amar demais também é doença, vale lembrar). Infelizmente esses amigos moram longe, mas quando possível, gosto de recebê-los na minha casa e ir até a casa deles. Geralmente namoro pessoas – NEM SÓ DE FORAS VIVE TAÍSA SZABATURA, PASMEM – e gosto da companhia delas também. Hoje todo mundo é amigo de todo mundo. Os convites para a vida feliz aparecem aos montes via Facebook. Eu, por alguma razão, não consigo interagir. Demoro para fazer novos amigos. Tenho um monte de defeitos e acabo ignorando muita gente legal que se aproxima etc. Vamos combinar, eu sou uma filha da puta arrogante. Não nego.

Se você for como eu, você eventualmente se sentirá muito sozinho. Uma opção é mudar de personalidade. Vire uma pessoa que aceita tudo. Nenhum preconceito ou restrição. Você aceitará até aquele cara que estufa o peito para dizer que é especialista em Tarantino. Sim, até o cara que estufa o peito para dizer que é especialista em Tarantino. Você aceitará comportamentos muito diferentes dos seus, gostos totalmente opostos. E você achará essa diferença toda bonita, falará que sempre aprende uma coisa nova, que a pluralidade não-sei-o-quê, enfim, você será feliz como uma princesa da Disney.

Se você não conseguir fazer isso, como eu não consegui, a outra opção é admitir que você tem um problema e procurar ajuda psicológica. Tolstói estava completo de razão quando disse que a felicidade só é real quando compartilhada (não estamos falando do Facebook, rs). A mais completa solidão nunca o fará feliz. Ou você se encherá de gatos ou cometerá suicídio. Ou ambos.

Preciso, antes de tudo, aprender a parar de magoar as pessoas que eu gosto. Preciso parar de me afastar de todo mundo, ou pior, dizer as coisas mais cruéis do mundo para que todos se afastem de mim. O meu grande talento é a ofensa. Os meus melhores textos envolvem o meu ódio, a minha raiva, o meu rancor. Sempre que eu coloquei isso no papel, tive um bom retorno, digo, olhei satisfeita para o resultado. O meu texto jornalístico ainda não é bom, o meu texto racional não é bom, mas a minha mágoa rende os frutos da coisa que eu mais gosto de fazer na vida: literatura. Será que se eu tratar o meu ódio, eu perco essa inspiração? Eu decidi correr o risco.

Se você acompanha esse blog desde o começo, saberá que o meu sonho sempre foi trabalhar como jornalista em São Paulo. Bem, eu estou aqui. Veja eu aqui, dê tchauzinho para mim. Estou no emprego dos sonhos, na vida dos sonhos. Eu realmente achei que nunca conseguiria e que morreria trabalhando numa loja de surf na beira da praia. É impressionante olhar para trás. Eu estou feliz, mas terrivelmente sozinha e cada vez mais longe de tudo. Eu não posso abrir mão de tudo que eu conquistei por intolerância, capricho, suposta superioridade mental. Vocês não tem ideia da pressão e do desespero. Alô, Morrissey!

Ontem esse blog completou seis anos, tirando alguns erros de português, eu não me arrependo de nada. Nem do meu comportamento imaturo, julgamentos apressados, nada. Eu dei a cara a tapa nessa tal de internet e aprendi muito. Acho que quase todo mundo que nasceu em 1987 acabou fazendo isso. A partir de agora, deixarei a falta de paciência juvenil que ditou regra nos textos do passado para falar mais honestamente sobre mim. Sobre os meus processos de escrita etc. O acesso será fechado, mas vinde a mim os estudantes de jornalismo, os desajustados, as mulheres problemáticas. Eu acho que entendo sobre isso, podemos trocar figurinhas e tal. Fiquem a vontade para indicar o blog para amigos, se quiserem, claro. Mandem email e jamais liguem. Eu realmente gosto de trocar correspondência. Muito se perdeu quando surgiu o chat, MSN e afins.

Rapidinhas


Maior prazer: minhas aulas de francês.
Segundo maior prazer: Ler e reler Thomas Bernhard.
Terceiro maior prazer: ter virado uma especialista na batalha de Waterloo.
Quarto maior prazer: ter me mudado para uma rua arborizada.
Quinto maior prazer: ter adotado uma dieta saudável.
  

Prazer genital é coisa de cretino

Mesmo que eu tenha perdido o vigor juvenil para escrever no blog, eu sempre ensaio uns textinhos, uma ideia, qualquer coisinha para deixar aqui e divertir os leitores antigos e os amigos que sempre leram por educação. Por exemplo, pensei em fazer um longo ensaio sobre a minha viagem solitária por Paraty (RJ), mas no fim das contas só tropecei pelo centro histórico. Vi ainda caras bombados de sunga vermelha com tatuagem de dragão e surfistas feios que falavam "podcrê". Conheci duas austríacas e fui logo falando sobre Thomas Bernhard, mas elas responderam que adoravam Paulo Coelho. Não fiquei com ninguém (nem com uma das austríacas que certamente estava toda-se-ardendo-só-pra-mim, mas infelizmente não sou lésbica - uma verdadeira pena nesse caso etc.). Tinha o grande sonho de chegar lá e encontrar o amor da minha vida. E não apenas isso, seria bacana também ter um grande insight para um romance de mais de mil páginas. Pan! Enfim, não deu, não quero escrever sobre a viagem, apesar de ter sido legalzinha. Estou convencida de que ficar no meu quarto é a melhor opção. Eu só preciso de uma bebidinha e alguns discos do Morrissey.

"If you're so funny
Then why are you on your own tonight?
And if you're so clever
Then why are you on your own tonight?"

Resposta: principalmente porque acho mais vantajoso. Veja, eu tenho saído. E eu tenho saído com a maior cara de felicidade, topo qualquer programa com qualquer pessoa. Gastei rios de dinheiro nessa brincadeira do "Taísa, você precisa sair de casa" e o que eu ganhei com isso? Conversa mole e caras cafonas querendo me comer. Porém, confesso que gosto muito de sair sozinha. Balada sozinha é uma coisa que aprendi a curtir. Sempre que chega um pentelhinho cheio de ginga querendo me "salvar da solidão" com a frase  "Nossa. não acredito que você veio sozinha", eu já falo que vim com um amigo "mas ele está por aí com uma mina". Dica: fale para o cara do bar que você veio sozinha, ele omite vários pedidos na sua comanda por pena (ajuda se você for loirinha). Economizar dinheiro nesses tempos de crise é fundamental. Aliás, minha viagem foi um grande rombo financeiro. Entretanto, como aprender com os erros é algo que passa batido aqui no meu corpo, já estou programando a próxima. Mora em um lugar bacana e quer me receber na sua casa? Mande um email. Só não vale estupro etc. 

Falar em me mandar email, desde que comecei com o blog recebo mensagens do pessoal que curte o show do drama que é isso aqui. Algumas dessas mensagens são bem interessantes, com elogios fofos e emoticons de satisfação. Algumas contém xingamentos, ofensas etc., mas no fundo, curto muito, me sinto como uma pessoa que tem amigos e tal. Fora que eu sempre respondo, se tem uma coisa que eu gosto muito é correspondência. Porém, confesso que as mensagens doentias eu não sei como responder, vejam só o email que recebi hoje pela manhã:



"Desculpa por mandar e-mail anônimo todo desconfigurado, mas é que eu quero permanecer anônimo mesmo. Sou de Porto União também. Mas sou um pouco excêntrico.

Já bati uma ~~bronha~~ olhando umas fotos tuas, foi engraçado. O curioso é que foi no ônibus indo pra Porto União. Eu embarquei em Florianópolis COMPLETAMENTE drogado de haxixe, a onda foi passando na viagem e no finalzinho bateu um tesão. Tinha uma velha dormindo sentada do meu lado, mas eu estava com uma ~~japona~~ comprida e dava pra bater tranquilo. Eu queria segurar até acabar a viagem, mas acabei gozando na cueca lá por Irineópolis. Fiquei meio puto. Na rodoviária fui limpar a porra no banheiro porque não queria andar até em casa com aquele negócio desconfortável. Tinha um cheiro de lavanda fortíssimo e insuportável naquela merda, eu já estava meio enjoado por causa da droga e acabei vomitando por tudo.

Já bati punheta dentro da Igreja Luterana. Já bati punheta na Praça Paraná (aquela que tem um cubo ridículo no meio).
Não sei o motivo desse teu gosto por cemitérios, já é meio grandinha pra isso, é coisa de jovenzinho. O cemitério de Porto União é feio mas tinha uns matinhos ali atrás, não sei se tem ainda, faz tempo que não vou lá. A gente poderia transar ali atrás, mas seria meio estranho. Eu gosto de meninas mais novas que eu. Se a gente transasse eu ficaria com a sensação de estar comendo uma tia. Não uma tia daquelas tias mesmo, mas aquela ~~tia~~ polaca da UNIUV que o seu tio bêbado pegou o mês passado no Clube 25 e já quer casar. Talvez fosse melhor só te chupar. O cu também. Ou fazer breath play com um cadarço até alguém desmaiar ou ter uma ejaculação involuntária, como a dos caras que morrem na forca. Ou deixar marcas de arranhado bem fundo no rosto e nos braços. Cuspir na cara, queimar com cigarro. Fazer qualquer coisa que dê na telha sem se preocupar com o que o outro vá pensar. Não precisa nem tirar a roupa pra essas coisas. Prazer genital é coisa de cretino. 
Teu gosto em literatura é uma merda. Americano não faz literatura, só conta historinha. Faulkner é assim, Roth é assim. Frost é esse mesmo vazio em versinhos. Virginia Woolf e Sylvia Plath nem contam porque são mulheres. Nenhum deles tem o que dizer, não tem substância, o vazio é insuportável. Mas vendo por outro lado, literatura é coisa de viado. O principal é contar historinha mesmo. E não me tenha por idiota, eu falo cinco línguas e já li centenas e centenas de livros. Mas o teu gosto por The Smiths compensa tudo isso.
Eu dei uma lida no teu blog and I got the picture. Sinto muita coisa igual ao que está lá. Eu sei o que é tédio, solidão, obsessão e desespero absoluto, já passei por isso e coisa muito pior. Stalkeio muito e bebo muito.
Eu sei que nunca passou pela tua cabeça que existisse gente assim em Porto União. Mas existe.
Eu posso ser aquele polaco feio com boné do Posto Amigão, havaianas e calça suja de tinta. Aquele ex-aluno do São José ou Santos Anjos que toma cerveja quente na frente do Posto Iguaçu ouvindo David Guetta no som do carro popular rebaixado. Ou aquele pardo de olho verde morador do Vice King, de jaqueta, bermuda e tênis colorido e escutando sertanejo universitário no celular do Paraguai. I blend into the filth. You could never tell. Não tenho rosto nem quero ter. Não valho nada mas sou honesto. Não honesto tipo Jornal Nacional. Se eu achar dinheiro na rua não vou devolver. Sou honesto na maneira de encarar a existência. Mas deixa isso entre a gente, não gosto de furdunço. Meu nome é Vladimir."



Primeiro, o cara me chamou de tia. Atenção: o cara me chamou de tia. Vou repetir: tia. Falou que gosta de "meninas mais novas". Tia. Cacete. Eu tenho vinte e cinco anos. Tia. Estou aqui passando o meu creme antirrugas e repetindo "Tia" enquanto escrevo uma matéria, posto no Twitter e respondo uma SMS da minha mãe dizendo que não tenho dinheiro para emprestar. Tia. Depois vocês me perguntam porque eu gosto de tiozão. Um tiozão jamais lançaria o "falo cinco línguas e já li centenas de livros". Nossa, que vergonha. Ele deve ter uns 21 anos. Eu me nego a conversar com pessoas de 21 anos, eu mesma nunca tive 21 anos. Se bem que uma vez um tiozão corrigiu o meu português. Fiquei tão ofendida! Sei lá o que eu falei, algo do tipo "tinha chego" e ele lançou a realidade da norma culta na minha cara. Nunca mais falei errado de tanto rancor que guardei. Outro corrigiu o nome de um escritor, não usei sotaque francês o bastante para pronunciá-lo! Céus, não cursaram Letras? Não sabem que corrigir os outros é antipedagógico? Porém, esses dias saí com um quarentão que falou "leve um casaquinho, acho que vai esfriar". Achei tão fofo. A vida é feita de altos e baixos mesmo. Acho que nunca tive um encontro em que o cara não me magoou profundamente de alguma forma. Talvez pessoas mudas sejam uma boa solução. Não sei.

Quanto a mim, digo apenas que o sofrimento total (ver postagens antigas) passou. Estou naquela fase "cara-de-bunda-esperando-algo-acontecer". Acho que algo vai acontecer em breve, entre uma balada solitária, uma viagem mal programada e um email doentio algo deve aparecer. Eu tenho um sonho. Se não acontecer nada eu compro uma pistolinha e parto para a vingança sangrenta mesmo. Eu moeria a cara de algumas pessoas, porém, espero conseguir superar todos esses grilos na mais completa paz de Deus etc. Independente do desfecho, vocês serão os primeiros a saber.