Passados dez anos do meu vestibular, sinto que chegou a hora de escolher uma profissão

Posso estar errada, mas sinto que estou preparada para começar a verbalizar as últimas semanas dessa experiência magnífica que é morar na França. Afinal, foram duas batidas em dois carros diferentes, um assalto, uma multa e alguns problemas supostamente menores. Se eu começar a chorar em posição fetal por causa das lembranças, paro de escrever. Deus, dai-me forças. Sei lá, acho que tudo começou a ir realmente mal quando cheguei na escola de idiomas para fazer uma avaliação do meu nível de francês.

   Mademoiselle Szabatura, a senhorita já fala francês, temo que não haja nenhuma classe tão avançada aqui na escola, disse o coordenador.
   Não falo francês coisíssima nenhuma, respondi, em francês. Pode me colocar numa turma, sei lá, nível B1 ou B2. Basicamente, não sei escrever e adivinho o tal do léxico no mais puro “chute”.
   Quando você começou a estudar Francês?
   Em 2008.
   Concorde comigo, são sete anos de dedicação…

E, prestes a completar meses e meses como habitante da nobre cidade de Cannes, começo a refletir sobre as minhas escolhas (só furada). Fui um pouco maltratada no início, não nego, mas agora aparece alguém para me dizer que larguei tudo no Brasil (não tinha nada para largar) para vir morar aqui por um idioma que já domino?

   Depende, qual o seu objetivo na vida?
   Então, essa pergunta é um pouco complexa…
A imagem de uma Taísa recebendo o Nobel de literatura passa pela minha cabeça, mas não digo nada.
   Você não quer exercer o jornalismo aqui na França?
   Acho que não, não estou preparada para me separar em definitivo dos pinschers da minha mãe.
   O que eu quero dizer é: você já tem uma boa base no idioma, podemos trabalhar na sua escrita, que tal?
   Juro por Deus que não falo francês…
   Em que língua estamos conversando?
   Isso não é falar francês, acho.
   Eu acredito que você está num bom C2, hein?
   Mentira.
   Verdade.
   E agora?
   Você ficará numa classe um tanto menos avançada que você, mas recomendo que você foque na gramática, já que você foi meio mal no ditado.
   Mal quanto?
   Mal para um nativo, mas bem entre os estudantes. Você deveria ter feito um teste antes de viajar, assim poderia fazer um curso de artes, cinema, literatura…
   Esses cursos de Playboy são super caros, não tenho dinheiro para essas coisas.
   Bem, vamos levando. Você pode assistir às aulas sobre Cinema.
      Oba.Vamos levando.

Minha turma é ótima e eu não me sinto melhor do que quase ninguém, minha professora é estupenda, sempre dá um jeito de me humilhar na frente dos colegas quando penso que estou me sobressaindo. Tenho aprendido muito e até treinado um sotaque parisiense na frente do espelho (aquelas). O problema é que não sei o que fazer com esse novo idioma. Quero e não quero largar o jornalismo. Talvez seja professora. Quem sabe entre para a diplomacia. A verdade é que não quero trabalhar. Quero ser sustentada pelos meus pais idosos e virar uma tia velha rancorosa. Não sei, não consigo pensar em nenhuma profissão além de viver na França eternamente.

Claro que quero ser escritora. Se você for pensar, já sou uma (grandes coisas ser publicada por uma editora decente). O problema é que preciso de uma fonte de renda, nem que seja apenas para pagar meus empréstimos consignados do Itaú (acho). Não sei se meus pais me fariam pagar uma porcentagem do aluguel. Quero acreditar que não, mas vai saber. Não existe mais amor no mundo. (EDIT 2019: me fizeram pagar aluguel)

Muitas pessoas (umas três) me disseram no meu aniversário “que os seus sonhos se realizem”, mas a verdade é que não há nada específico que eu queira. Minto. Eu quero o troco em bala de iogurte. Sei lá, queria revisar meu romance (tenho medo de deletar tudo ao reler), publicar e não me preocupar obsessivamente com dinheiro.

Não há muita coisa que eu queira comprar, isso é verdade. Talvez um computador, já que o ladrão que invadiu meu quarto no meio de janeiro resolveu levar o meu (e todos os meus documentos, aquele filho de uma puta). De resto, nada. Nem viajar o mundo, acho. Descobri que odeio fazer aquele turismo de visitar três atrações por dia e aproveitar o máximo que um lugar tem para oferecer. Comprar guia turístico e caminhar que nem uma mula não é para mim. Acho. Mudo de opinião rapidamente, vocês, sabem. 

Minto, gosto muito de visitar cemitérios e igrejas. Só de pensar que o Vaticano está apenas a setecentos quilômetros de distância tenho vontade de bater a cabeça na parede por não ter dinheiro para ir até lá. E o túmulo do Thomas Bernhard na Áustria? O cemitério judaico em Praga? Na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer enquanto o outro ri (visitando cemitérios).

Agora eu apenas me sinto sozinha. Toda essa suposta bagagem intelectual (quatro idiomas, residência em três países e duas faculdades) só serviu para me isolar ainda mais das outras pessoas (e nunca me favoreceu numa entrevista de emprego). E nem é uma questão de arrogância, de me sentir superior (meu psiquiatra sabe o quanto me odeio), é apenas um sentimento de não pertencer a lugar nenhum. Ao mesmo tempo, adoro conversar com as pessoas, conhecer suas histórias e descobrir suas razões. Seria uma ótima ouvinte do CVV, acho. É uma pena que eu seja tão fissurada em suicídio (o ato poético) para isso. 

Nas aulas de francês todos falamos muito de nós mesmos. E escutamos uns aos outros. Quase fiz uma amiga, inclusive. Infelizmente tenho muita dificuldade em sair de casa e acabei cancelando em cima da hora todas as vezes que combinamos algo. Ela parou de me convidar, claro. Essa história não é inédita. Já aconteceu muitas vezes e deve acontecer de novo. (Taísa, seja a mudança que você quer ver no mundo)

Bem, voltando a falar de dinheiro, não tenho onde cair morta. Devo até as calcinhas e estou na França praticamente de favor. Entretanto, acredito que até dezembro, terei alguma ideia em mente. Só quero ter uma vida saudável, simples e sem grandes privações.  Na verdade queria morar em Paris, mas estou tão bem instalada aqui. Por que ser pobretaça em Paris é tão literário? Henry Miller, eu quero ser você. Deus, escutai a minha prece. (Taísa, aceite o papel de Fitzgerald, releia Suave é a noite, não se sabote)

Não importa o lugar onde eu more e o quanto eu me esforce para ser financeiramente independente, sempre serei o Cirilo desse Carrossel que é a vida (Cirilo conceitual, já que o "look" é de Maria Joaquina). Quem diz que dinheiro não traz felicidade nunca sentiu a liberdade que o dinheiro proporciona. Cacete, só penso em dinheiro. Dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro. Queria, acima de todas as coisas, viver unicamente de escrever. Só de pensar que daqui uns anos terei que frequentar entrevistas de emprego no Brasil com possíveis testes de personalidade e atividades em grupo já começo a cortar os pulsos. (Taísa, viva o momento)

Porém, grande parte do que escrevo é insignificante e sinto que meus textos nunca tocarão a ninguém da mesma maneira que os textos do Thomas Mann me tocaram (ui). Claro que não sou nenhum Thomas Mann, mas se não consigo me conectar com os outros, qual o real objetivo de escrever ficção? Que pergunta profunda, céus, qual o objetivo de escrever ficção? (Olho ao meu redor e não encontro respostas)

Percebi que posso estar no sul da França ou no interior do Paraná, fugir de mim mesma e de quem sou, nunca será uma opção (eita, olha o clichê). Só encontro significados na literatura, na música, na arte e no sono (a alma superior da humanidade, rs). O resto me anula ou me consome. Fora a luta diária contra a depressão que, aparentemente, vai morrer comigo. Deveria, sei lá, ter engravidado na adolescência. Isso teria matado meu lado artístico e sonhador. Hoje eu seria vendedora de loja e teria amigos. A culpa é dos meus pais que me deram alguma educação e me incentivaram a seguir os meus sonhos. Por quê eles me deram tantos livros pra começar?


3 comentários:

NENHUMDS disse...

Eu não sei se você escreve muito bem ou é apenas meio pirada. Brincadeira. Seu blog é um ótimo passatempo.

andrei disse...

Salut Taisa! Comecei a ter aulas de Frânces essa semana, não parece ser tão díficil haha. Espero que tudo dê certo para você, lembre-se que sempre serei muito orgulhoso por você. Au revoir!

Cauê disse...

Muito bom!