Sabe o que não me ensinaram na universidade? A saber quando
sou convidada para uma rodada de sexo a três. Ninguém chega e diz claramente: “Vamos
transar nós três?”. E, muito mais importante que identificar o convite, é saber
como se comportar diante dele. A primeira vez que aconteceu eu estava no México
trabalhando no estimável ramo da hotelaria. Chego no bar do resort e um
americano me diz: “Você me parece feliz demais, tome aqui uma dose de Jack
Daniels”. Cantada boa, why not? Sento na banqueta e degusto minha dose no balcão
enquanto meus pés balançam no ar. Eu era jovem e cheia de sonhos.
“Então você trabalha nesse lugar?”, ele disse.
“Sim, eu não tenho escolha. Tanto lugar no mundo para visitar e você veio
para o Caribe?”, respondi.
“Minha mulher insistiu”
“Ah, entendo”.
Já estava me preparando para sair quando ele falou: “Eu e a
minha mulher gostamos muito de meninas simpáticas como você”. Colona do paraná
e moça de família, dei um sorriso amarelíssimo e disse que precisava ir. O
problema é, com os passar dos anos, os convites começaram a ser bem mais sutis.
Nem sempre sei se estão me convidando para jantar ou para tirar a roupa. E só Deus
sabe que, nessa vida, jamais recusarei uma boia grátis, por isso meu desespero.
“Vai lá, Taísa, dá para todo mundo, só se vive uma vez”, dirão vocês.
Considerei essa hipótese, mas honestamente? Não tenho estrutura emocional. Já
sofri muito na vida e esse tipo de coisa nunca envolve uns caras bonitos e umas
modelos internacionais. Quando esse perfil de casal belíssimo me procurar, quem sabe. Mentira, sou cagona e nem curto esses rolês.
Falando em dificuldades, nunca fui de falar palavrão. Nada
me daria mais alegria do que encher a boca e soltar um “gostosa é o caralho”
quando mexem comigo na rua. Minha mãe me batia muito quando eu falava palavrão.
Na vida adulta, simplesmente travei. Falo isso porque resolvi reler ‘Zazie no
Metrô’. Havia lido até a metade na faculdade e não sei bem o que aconteceu.
Bem, vocês sabem, eu era meio débil mental na faculdade, mas enfim, o negócio é
que peguei o livro e li numa sentada.
Que pedaço de literatura, pultaquilparil.
O livro, para quem precisa de contexto, é recheado de palavras chulas. E a
tradução da Cosac Naify é tão boa que eu até toparia um ménage com o senhor tradutor
(acho até que já o entrevistei para uma matéria sobre a FLIP).
– Então, por que é
que você quer ser professora?
– Pra encher o saco
das crianças – respondeu Zazie. – As crianças que tiveram a minha idade daqui a
dez anos, vinte anos, cinquenta anos, cem anos, mil anos, sempre vai ter
crianças para serem aporrinhadas.
– Pois é – disse Gabriel.
– Vou ser uma vaca com elas. Vou mandar lamber o chão. Vou
mandar comer a esponja do apagador da lousa. Vou enfiar o compasso na bunda
delas. Vou dar botada na bunda delas. Porque eu vou usar botas. No inverno.
Aliás, até aqui (gesto). Com umas esporas bem grandes, pra fincar na bunda
delas.
Céus, que personagem. Há tempos eu não me divertia tanto. Gargalhava
alto em cada “caralho” que saia da boca da garotinha. Eu poderia ter sido uma
bela de uma Zazie se não fosse pelas porradas de mamãe. Hoje eu seria uma artista
no lugar de escritora fracassada.
Fora da zona da depressão total, achei que
estava na hora de retomar aqueles grandes livros, com muitas páginas, pilares
da literatura etc. Foi assim que decidi ler ‘O Castelo’, de Kafka. Muitos me
alertaram de que a obra era densa, difícil, longa; que causaria estranhamento.
Pois bem, li em dois dias. A verdade é que tenho lido um livro a cada 48 horas
e escrevo uma página a cada 24. Tenho realmente me empenhado em ser a pessoa
que eu quero ser. Acho que vou até aprender a cozinhar alguma coisa. Um homem
só consegue viver até certo tempo se alimentando apenas de congelados e
sanduíches, acho.
Fora morrer de fome, uma coisa que eu não desejo para
ninguém é o contato com empresas que fazem tradução juramentada. Céus, como eu
os odeio. Para a tradução de um atestado médico de três linhas me cobraram a
barganha de R$ 99. Três linhas. E me pedem cinco dias úteis de prazo. Putos. Chega
o dia de entregar e as três linhas não estão prontas. Mesmo não tendo moral
para falar, sempre atrasei todos os meus textos, dei um pequeno escândalo no
telefone. “PORQUE NO LUGAR DE DESCULPINHAS O SENHOR CAMILLE NÃO SENTA A BUNDA
FRANCESA DELE E TRADUZ AS MINHAS TRÊS FUCKING LINHAS?”. Quando o próximo editor
vir gritar pelos meus DEZ MIL toques (atrasados) lembrarei de Camille. Eu,
pelo menos, faço o meu trabalho (devagar).
A culpa na verdade é da França. Para que eu possa morar
legalmente no país, preciso provar que estou em pleno gozo da minha saúde e das
minhas faculdades mentais. O psiquiatra liberou. Se entendam com ele. Tive
ainda que escrever uma carta de próprio punho em francês dizendo por qual
motivo quero morar na terra de Baudelaire. Pensei em falar da grandiosidade dos
cemitérios, mas poderia pegar mal e então fiquei somente nos clichês. Deve dar
certo, acendi uma vela de sete dias.
E o Detran? Deus do céu, o Detran. Demoram vinte dias
(corridos, amém) para agendar um exame. Vinte dias o caralho. Liga na
auto-escola. Chora. Oferece suborno, mas é o sistema. Cacete, como eu odeio o
sistema. Quer sacar o FGTS? Pois a Caixa Econômica está em greve. Entrou na
livraria? Cartão recusado. Porém, não deixarei me abater pelas adversidades. Eventualmente,
tudo dará certo. O que um país perde com a minha reles presença? Querem que eu
vá ilegal?
Daí liga a minha mãe pedindo dinheiro. “Mãe, a senhora
lembra que eu perdi o emprego?”. Ela começa então a me contar que começou a
procurar um segundo emprego como auxiliar de serviços gerais. Como aprendi toda
a arte do abuso psicológico com ela, entro no jogo para ganhar. “Eu também
estou procurando bicos como faxineira, mãe. Todo aquele estudo que a senhora
pagou não adiantou de nada”. Então ela choraminga que quebrou o braço, o pé, as
costas, a cara e eu não estou nem aí. Falo para ela ir ao médico. Ela diz que
não precisa, que a hora dela está chegando, que só queria que eu fosse pra lá. “Mãe,
não tenho dinheiro para a passagem”. Ela pede que eu vá morar com ela. Digo que
não posso ir agora, por causa da auto-escola. “Faz aqui”, ela diz. “Já paguei”,
rebato. “Para dirigir você tem dinheiro então?”.
Relembro-a que preciso da CNH
para o meu emprego na França. Ela xinga a França inteira e condena a minha
viagem. Eu me rendo e pergunto de quanto dinheiro ela precisa. Digo que vou dar um
jeito. Ela se ofende e diz que nunca pediu o meu dinheiro.
Minha mãe mora no litoral com os meus dois irmãos em uma
casa enorme com piscina. É amada e bem cuidada por todos. Para se ter uma
ideia, meu irmão tem o nome dela tatuado na barriga. A tatuagem é maior que a
minha cabeça. Enfim, passam uns dias e ela liga de novo. “Já li os livros que
você me deu, não tenho dinheiro para comprar outros”. Falo das toneladas de
livros que deixei por lá. “Esses eu não gosto, gosto de livro de sacanagem”. Ou
seja, se você, querido leitor, tiver em suas posse livros eróticos dos quais
quer se desfazer, por favor, entrem em contato comigo. É pela minha mãe, uma
senhora de 62 anos, muito necessitada, que faço o pedido. [EDIT 2017: quando minha mãe faleceu dormindo, do nada, deixou diversos vibradores gigantes e mais de cem livros eróticos]
3 comentários:
gostei de você e até to precisando de faxineira.
pena que moro longe, senão te chamaria pra uns serviços gerais aqui em casa. sem sexo.
mas tomaríamos umas biritas talvez.
したがってスザバツラスポーク
Ainsi parlait Szabatura
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