"O Darkness! Darkness! ever must I moan"

“Taísa, se você postar no seu blog, pago toda a sua dívida no Itaú”, disse um admirador secreto desse simples blog. “É só passar o número da conta e escrever”.
São quase oito anos de blog e eu já recebi todo o tipo de mensagem. As de ódio, as de admiração, as de desprezo, as de elogio, as de xingamento e as de obsessão total ou parcial. Com as de obsessão total eu tomo um pouco mais de cuidado, confesso. Correspondência que descreve com riqueza de detalhes delírios masturbatórios pode ser legal, mas não pode errar a mão. Uma linha tênue separa a obsessão total da parcial. “Eu te acho bem bonita, mas a única que vez que bati uma pensando em você foi por causa daquele texto.” Uma vez recebi um email com uma única palavra: “puta”.
“Taísa, é legal ter fãs?”
“Veja bem, é só uma página do Blogger”
“Ah, mas eles só querem te comer, né?”
“Você acha que meu texto não é bom? É só uma questão de comer e dar?”
“Não é só isso, mas você fala que é loira e tem 1,80”
“Eu gosto do personagem que você criou”
“Qual personagem?”
“Essa sou eu, olhe para mim”
“Olhe bem na minha cara”
“Se eu fosse você, eu não me expunha tanto assim, e se alguém do trabalho ler?”
“Mas quantos remédios você toma?”
“Seus seios são naturais?”
Fiz dois amigos “na vida real”: um homem e uma mulher. Eles me tratam bem, cozinham para mim, se interessam pelo que faço ou deixo de fazer. Conheci ainda um cachorro chamado Batman que usa uma camiseta de criança no lugar de uma roupa própria para cachorro. Foi preciso apenas cortar um pedaço do pano da barriga, para não correr o risco de sujar a polo, era uma camisa polo infantil listrada, com urina. Segurei o choro quando vi aquilo. Um cachorro usando uma camisa polo infantil listrada. Agora eu entendo quando alguns falam em “arte fora do museu” ou “síndrome de Stendhal”.
“Sou feliz, bravo e crítico ao mesmo tempo”, disse o dono do cachorro, com seus 14 anos. Respondi que precisava anotar aquela frase para não esquecê-la. Como alguém consegue se definir assim? Com tão pouca idade? O que eu fazia aos 14 anos? Babava? Há treze anos lia Oscar Wilde, Harry Potter e Clarice. (Negarei até a morte, claro. Jamais li, inclusive).
Mas e o humor? Quando foi que entrou o humor? Acho que foi na escola, quando recebi os apelidos ‘Avestruz Satânico’ (porque eu corria muito) e ‘Dumbo’.
As minhas orelhas de abano nunca haviam me incomodado antes. Nem sabia que elas eram diferentes das orelhas das outras crianças. Tudo era uma grande novidade para mim. Minha mãe me apoiou, claro. Não com palavras doces de apoio, mas com cirurgia plástica infantil, claro. Eu tinha oito anos quando ela decidiu colocar silicone nos seios e fechou um pacote com o cirurgião plástico, incluindo as minhas orelhas e algo no rosto dela. Não lembro bem.
Ela perguntou se eu também queria fazer uma plástica na boca, já que tenho uma pequena cicatriz no lábio. Disse que não. Ela tentou me explicar que seria na mesma cirurgia, que eu não precisaria fazer nada. Que aquela correção seria crucial na minha vida adulta. Respondi "não" só porque ela queria ouvir um "sim". Minha mãe acatou o não e respeitou o defeito labial da filha. Olhem todas as minhas fotos, procurem algo errado na minha boca, quem achar ganha uma SMS premiada. O que é uma boca certa e uma boca errada? Por deus, onde estava o conselho tutelar em 1994?
Pode ter começado aí, o humor, mas pode ter sido antes. Foram tantos traumas. O humor defensivo provavelmente começou na maternidade. Alguma enfermeira deve ter feito algo, minha mãe me amamentou sem vontade, alguém deve ter dito que eu tinha cara de joelho. Humor é apenas uma forma de combate, mas isso até a minha mãe já sabe. Para que não restem dúvidas: gosto muito da minha mãe, apesar de todos os, digamos, detalhes, que dividimos juntas.
Carinha do leitor:
“Olha só: acabei de colar nove placas gigantes de cortiça na parede, para o que usei  - e cheirei - três latas grandes de Cascola. Estou bem longe do meu juízo perfeito. Feita a ressalva, quero dizer que li tudo o que eu encontrei na internet com a sua assinatura. Ri muito, chorei um pouco e agora - já faz algum tempo, na verdade - estou babando. Não é só seu estilo, deixe-me ver, um quê de jornalístico-coloquial, porém extremamente elegante e refinado, que é apaixonante (e como estou apaixonado por ele…) - mas alguns pensamentos são nada menos do que fantásticos (um médico judeu é a melhor pedida para a dor, pois ele vem de um povo que sabe tudo sobre sofrimento; atirar para matar na moça com legging de oncinha; agredir o papel com o grafite; a perigoethe; e por aí vai) - o ritmo é frenético e o repertório infinito. Seus artigos estão para ser lidos duas, três, quatro vezes. A cada leitura uma nova imagem é descoberta. Que delícia! Por favor, Taísa, acredite que essa minha percepção é totalmente desinteressada. Conheci seus textos faz uma semana e batemos papo virtualmente pelo Facebook por três dias. A rigor, nem sei se você existe realmente. Vai que se trata de um pool de escritores extremamente qualificados pregando uma peça na internet. Não sei. Mas, se for isso, eu caí direitinho. E there in lies the rub: e se não for uma pegadinha? Daí, Taísa, eu sei que você falou para eu não insistir em te tirar de casa. Que “talvez, no futuro” nós pudéssemos nos encontrar pessoalmente. Mas entenda que sentar na sua frente e (ok, esqueça o jantar) tomar uma cachaça (!) seria, para mim, o mesmo que, para você, fazer um dueto de ‘Cruisin’ no karaokê com o Morrissey. Não é preciso falar mais nada. Decidi não te encher mais o saco. Mesmo porque não tenho dúvida que você deve receber esse tipo de pedido de baciada. Porém, parece importante pra mim deixar muito claro meu desejo, uma última vez: quero te ver sem o intermédio de um computador e dar carne e osso para essa imagem de uma das pessoas mais interessantes que eu já conheci. Pense nisso com carinho, te peço! Bom, vou dar mais uma viajada em algum texto seu, antes de passar o efeito da cola. Que ela me ajude a descobrir alguma coisa que eu não percebi… Bjs”
Ok.
Podem tentar me convidar para sair, meu último namorado convidou 27 vezes antes de eu dizer ‘sim’ e daí ele disse ‘não posso hoje’, então guardei rancor por um tempo, mas aí ele me convidou para jantar num dia em que eu estava com muita fome e o romance começou assim. 
Sou uma pessoa assustada (no caso do e-mail acima, tudo bem estar), com complexo de inferioridade e com uma plástica mal feita nas orelhas. Tenho medo de tudo e de todos. Não vejo televisão. Tenho medo de ouvir música. Ando encurvada. Não sei o que é direita esquerda, norte, sul. “Taísa, pegue o elevador, passe a porta de vidro, vire a direita, estarei na sala a esquerda na máquina de café”, é uma das coisas mais assustadoras que alguém pode me dizer. Um lugar de que gosto muito é o Poupatempo da Sé. Você pergunta para a moça onde é o lugar x e ela diz “siga a linha roxa”, você olha para o chão e há uma linha roxa que te leva até ao local. Há uma linha roxa pintada no chão! Há linhas de várias cores, pois eles oferecem vários serviços.
A outra moça que me atendeu, no final da linha roxa, foi muito simpática comigo. Viu que eu estava lendo “O demônio do meio-dia” e perguntou se eu gostava de ler, disse que sim, mas que esse livro era muito grande e eu ainda estava na página 16. Ela disse que gosta de livro grande, que lê bem rápido e não tem problema de concentração. Eu disse que as senhas apitando quase me deram um ataque cardíaco e ela respondeu “você se acostuma”. Ela disse ainda que vai casar, que é evangélica, mas da Bola de Neve, uma igreja bem mais leve que as outras igrejas. A irmã dela também é evangélica, mas de outra igreja e mora em Paraty (RJ). “Ela odeia as igrejas lá, odeia todos os santos, diz que é tudo fanatismo”. Ela disse que não tem nada contra as igrejas católicas. Falei sobre a minha paixão por igrejas antigas como as de Paraty, fora meu amor por cemitérios históricos e túmulos de escritores famosos. “Acho que cada um é cada um, né?”. Concordei.
Após perder várias coisas, finalmente perdi minha carteira com tudo dentro, não havia muita coisa, claro. Precisei fazer um novo RG e CPF. Meu número de RG mudará. No Brasil não há um sistema unificado de RG, então o número vai mudar; inclusive, posso viajar para todos os estados do Brasil e fazer um RG diferente e colecionar vários documentos. Um repórter da Folha fez isso. Achei um barato, talvez o Itaú não ache legal, não sei.
Como vocês bem sabem, não tenho mais dinheiro para a academia, mas tudo bem, pois passou a vontade de levantar da cama e ir; uma pena, visto que emagreci doze quilos ao todo e fiquei com barriga negativa, algo muito desejado por certas mulheres, segundo pesquisei. Precisei ainda de uma artimanha aritmética para conseguir pagar as aulas de francês, o psiquiatra e o aluguel. Fora as vezes que ando de táxi por medo que alguém toque em mim contra a minha vontade. Um esbarrão no metrô é o suficiente para eu cair no choro. Estamos tratando essa questão, eu e o Dr. R., meu médico judeu. Querem que eu procure uma segunda opinião, dizem que o Dr. R. não está adiantando em nada, já que eu perdi a vontade de ler e escrever, as atividades mais amadas da minha adorável vida. Depois de brincar com os pinscher da minha mãe, claro.
“A verdade é que eu sou uma artista”, gostaria de dizer para alguém, caso alguém me perguntasse. Não para o meu psiquiatra, claro, ele diria que sofro de alguma síndrome de grandeza, ou algo do tipo. Ou ainda que sou da geração Y e me sinto especial e fui mimada pelos pais e por isso fico de frescura. Gostaria de rebater os críticos (imaginários, pois só os loucos chegaram nesse parágrafo)
"EU SOU UMA ARTISTA", podem anotar aí no bloco de notas de vocês.
Esses dias estragou o chuveiro lá de casa, tomei banho de canequinha, a diarista me ajudou a ferver a água e a jogá-la no balde. A água, não a diarista. 
“Taísa, se você tivesse condições financeiras, onde você estaria agora?”. Na França. “Em qual cidade da França?” Qualquer uma. Aliás, tirando as saudosas geadas do interior do Paraná, eu nunca vi neve. Neve de verdade.
“Quando você se sentir triste, lembre-se de tudo o que conquistou”.
“A geração Y não quer trabalhar. Ganharam tudo dos pais, não param em nenhum emprego, sentem que sabem mais que todo mundo”. Quando alguém me diz uma coisa dessas, lembro dos dois anos que trabalhei para as forças armadas, meus longos trabalhos em hotéis (aparentemente falar quatro idiomas só garante passaporte para a recepção de hotel) e vendedora de loja, claro.
Vamos nos rotular. Vamos dizer que ela “não aguentou o tranco, pobrezinha, muito mimada”. Já dizia Cidade Negra, você não sabe o quanto eu caminhei para chegar até aqui, querida. Acho que só não fiz faxina, mas hoje estou disposta a fazer. Inclusive adoro X-14 Cloro Ativo, passo sempre no box aqui de casa. 
Dedico doze horas do meu dia para o meu trabalho e quando não estou trabalhando, penso em formas de melhorar o meu trabalho. Meu nome sempre será trabalho. Algo me fez ser ambiciosa, quero ganhar o Nobel, vocês sabem. Ou apenas não perder o meu emprego. Nada vai me parar. Nunca deixarei de escrever. Meu romance já tem corpo e forma, mas sou uma fraude, sim, aquele clichê de escritor medíocre. Olho para o laptop e depois olho para o espelho, só quero chorar abraçada nos pinschers da minha mãe. Nada agride mais do que escrever. Sentar e passar cinco horas escrevendo é cansativo. Mata. E liberta.
Nunca fui livre. Sempre dependi de alguém. Sempre precisei dar explicações, dizer onde estou, com quem estou e até que horas vou ficar. Seja mãe, pai ou namorado. Hoje, pela primeira vez, posso fazer o que eu quiser, a qualquer momento. Desde que não dependa de dinheiro, porque isso é algo que eu realmente não tenho. Nada. Absolutamente nenhum real. Semana passada, aliás, estava muito frio e, na pressa, saí com pouca roupa de casa. Entrei numa Hering com o objetivo de comprar um moletonzinho qualquer para vestir por baixo da jaqueta (no sul dizemos japona). 
Como constantemente frequento a Hering e não tenho muita paciência para roupas, peguei o moletom mais simples que vi, cinza, com zíper, nada demais. Vesti e já pedi para a vendedora tirar a etiqueta. Aquilo era tudo que eu precisava. Não perguntei o preço porque sou desligada e nunca tive grandes surpresas financeiras com a marca, então nem me preocupei com isso. Enfim, cheguei no caixa e CENTO E DEZESSETE REAIS. Ok, passa no débito, depois eu penso nisso. Já estava vestida, sem etiqueta, atrasada para o trabalho, totalmente na merda, como sempre.
Se eu pudesse fazer apenas um pedido para o universo, somente unzinho, eu pediria para ganhar o Nobel de Literatura, mas se eu pudesse pedir dois, eu pediria para que as pessoas parassem de falar como idiotas sobre suicíd*o. Morre um ator famoso, todo mundo tem uma opinião formada, viram especialistas no tema. A imprensa dá detalhes desnecessários: não conseguiu cortar os pulsos profundamente e então se enforcou com um cinto. Shit, shit shit, shit, meu emocional vence, caio no choro, perco o controle e saio correndo para o banheiro (do trabalho). Eu digo para mim, volte, Taísa, volte, volte, perdemos um soldado, não perdemos a guerra, volte, pare de chorar agora. Há uma Taísa racional dentro de mim. Ela me ajuda demais e é muito querida. Volte, Taísa. Lave o rosto nas águas sagradas da pia, nada como um dia após o outro dia, pegue sua maquiagem vagabunda do Boticário, passe nessa cara e bola pra frente. O planeta para para falar do ator e comediante que se matou. Outro comediante havia se matado alguns dias antes também. Taísa, volte, mantenha o foco, trabalhe na sua matéria. Volte. 
"Oi, eu gostaria de um colírio que evitasse olhos vermelhos"
"Olha, eu uso esse sempre depois de fumar um, ninguém nota nada"
"Ah, não, então, eu choro por qualquer coisa, meus olhos ficam em chamas, queria um colírio que evitasse esse problema. E nada contra fumar, sabe? Eu super fumaria se gostasse, eu me sinto até mal por não gostar"
A Taísa racional me diz para calar a boca e ir para o caixa. TRINTA E OITO REAIS O COLÍRIO? Céus, passa no débito. Será que já cheguei no cheque especial? Não quero ver meu saldo, apenas não quero, Dr. R. pediu para que eu me concentrasse em tarefas prazerosas, vou fazer isso. 

6 comentários:

Michel Cutait disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
DEIXA DE BANCA disse...

( ̄▽ ̄人)

Unknown disse...

Deu para o gasto...rsrs Brincadeirinha. Com sempre, muito bom!

Thiery Peleias disse...

Bom pelo texto! Mal pelo darkness.
Também recomendaria uma segunda opnião...algo mais comportamental com efeitos imediatos para depois encarar o fardo, que ainda vai continuar lá independente do método escolhido. Conheço um bom pagé! kkkkkk(é sério)

leonardo lamha disse...

El Santibañez disse...

Que colírio caro, Teuto é 7 REAL e deixa o olho branco. Dizem...

Gostei da versão mobile dessa birosca.