Foto da gloriosa Piratuba retirada da internet. Preservei os envolvidos.
A primeira vez que percebi que nem todo mundo gostava de mim aconteceu quando eu tinha sete anos. Estava em uma viagem em família, primos e tios pra todo lado numa excursão pobreza para a cidade de Piratuba. Se você já está rindo, provavelmente sabe que Piratuba é uma cidade ridiculamente cafona, baseada no turismo das piscinas termais etc. Eu andava muito com uma prima que era um ano mais nova que eu; gostava de chamá-la de melhor amiga.
Um dos dias, por alguma razão que já não consigo lembrar, não pude ir até as piscinas dar as minhas braçadas e minha prima teve que ir sozinha. Até aí tudo normal, isso se não fosse o dia depois desse. Em sua solidão aquática ela acabou fazendo uma nova colega, e no dia seguinte, na hora de me apresentar para ela, a desconhecida cometeu a gafe de dizer; "Ah, essa que é essa sua prima chata que você odeia?" Como diria Maysa, o meu mundo caiu.
Minha prima rapidamente deu batidinhas no meu ombro e disse "Nããão, essa eu adoro, era uma outra lá de quem eu estava falando". Nem pensei muito no assunto na hora, tive que organizar uma complexa brincadeira de pega-pega que envolvia até as crianças do outro lado da piscina. Foi um dia cansativo e com muitas discussões envolvendo mães gritando comigo. Nunca gostei de trapaceiros e sempre os tratei como tais. Se aquelas mães não tinham habilidade para educar seus filhos eu não via problema nenhum em fazê-lo. Fui uma criança que resolvia conflitos. E muito bem, diga-se.
Foi lá pela noite que voltei a pensar na história da prima. Minha mente de sete anos de idade se dividia entre o embalo da fita k7 da Angélica e o pensamento da rejeição. Por que ela não gostaria de mim? Sempre decidi tudo, escolhia as brincadeiras, os jogos, ela não precisava se preocupar com nada, apenas em brincar e ser feliz. O sadismo dos meus comentários e comportamento (fruto da educação doentia que mamãe me deu) fizeram com que eu fosse isolada ou atraísse apenas amiguinhos que gostavam de alguma forma de humilhação etc.
Desde a infância percebo que as pessoas se relacionam comigo mais por educação e cordialidade do que por afeto. Existe também aquelas que gostam de mim em teoria. É assim: elas clamam por aí o quanto sou importante na vida delas etc., mas não me convidam para sair e raramente estão presentes. "Não é que eu não queira sair, Taísa. Tenho um aniversário daqueles que não dá pra faltar", sei. Sabendo que a errada era eu, tentei fortemente mudar. Hoje sou toda sorrisos nas situações mais inglórias. Vou a festas que odeio em nome de uma civilidade que infelizmente notei necessária. Segredo: basta beber um pouquinho.
Não sou melhor que ninguém, sou apenas chata. Até acho que sou bastante educada e adestrada, o problema está na minha artificialidade em aturar certas coisas. Elogio pessoas horríveis, sou falsinha, faço uma força descomunal para prestar atenção no sonho que fulaninho insiste em contar com detalhes. Sorrio, pois sei que a solidão total é bastante desconfortável. Também tenho bons amigos e são justamente esses os que mais sofrem. Tenho um jeito doentio de me mostrar amiga e esses verdadeiros heróis da resistência merecem todo dia a minha eterna gratidão. Queria ser a mocinha do filme. Ser normalzinha e fofa.
Que não me tenham como aquelas pessoas apáticas e sem sentimentos. Tenho uma habilidade intensa em gostar de pessoas e admirar boa parte delas, o problema está na imaturidade com que levo algumas coisas. Ou, se gosto muito de alguém, fico obcecada por ela e transformo tudo num inferno. Sei lá, heranças da quarta-série B ou algo assim. Quanto a minha prima, ela conseguiu se livrar das garras da minha amizade claustrofóbica aos poucos. Lá pelos treze enquanto eu criava sites do Geocites sobre Harry Potter, ela se esfregava em garotinhos esquinas afora. Aos quinze ela engravidou e eu li O retrato de Dorian Gray. E isso não significa nada, só queria dizer que a vida é engraçada quando analisamos certas coisas fora do calor do momento. É uma pena que nesse instante eu só consiga ver sofrimento.
12 comentários:
Muito bom.
Gostei tanto que perdôo o seu excesso de formalismo.
Eu adorei o final. "Aos 14 ela engravidou e eu li Oscar Wilde pela primeira vez".
Quero mais relatos de sobrevivência como este!!!
(precisei refazer o meu comentario ¬¬)
O mundo divide-se entre garotas que gostavam de Angélica e as que gostavam de Xuxa na infância. As que gostavam de Angélica, eram de longe mais bem-sucedidas.
é esse final de semana que sai o lua nova?
não consegui achar comentário pertinente para o post anterior. Mas esse preciso dizer que este teve, no meu matuto modo de ver, uma pitada de genialidade: No modo como o tema foi tratado, e na fluência.
De onde veio essa, tem mais estórias?
Pretendo relembrar mais o passado, descobri que tenho uma vida bastante hilária.
O pessoal adora excluir comentários. Reafirmo o medo infundado que citei na postagem...
Rá! Genial!
Eu sempre disse que ser chato é mais interessante que ser simpático. Isso filtra o tipo de gente que se aproxima de você. Elimina as almas sebosas. Só se aproxima quem realmente gosta e tem alguma coisa a acrescentar.
Eu me senti estranhamente na frente do espelho. Não você não me conhece nem nada assim. Apenas encontrei seu perfil do Blogger procurando por OULIPO e métrica.
Encontrei essa estória e me vi. E pensar que nao tinha mais ninguém que confesava seu ódio e preguiça de escutar as banalidades alheias. Essa necessidade de ser toda sorriso é algo que eu ainda reluto em aceitar. Mas também porque descobri um pouco mais tarde essa questão do meu sadismo.
Amigos? Realmente, poucos e bravos para aguentar sinceridades ácidas e displicências despercebidas.
Excesso de rigor formal? Não.
Obra prima
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