A canção de amor e de morte da porta-estandarte Taísa Szabatura

Uma das relações mais sólidas que construí em São Paulo foi com a minha professora de francês. Como nunca faço nenhuma lição e mal abro o livro texto, minhas aulas semanais funcionam como uma sessão de terapia. Apesar de certo glamour em pagar um curso de idiomas para reclamar dos meus problemas em outra língua, confesso que o avanço, tanto psicológico como cognitivo, era quase nulo.

Mesmo sem plano de saúde e com uma renda oscilante, decidi que estava na hora de procurar ajuda profissional. Minha professora, apesar de ser uma senhora sábia e vivida, insistia muito para que eu largasse tudo ou casasse. “Por que você não volta para Santa Catarina morar com os seus pais e procura um emprego por lá?”. Céus, porque não, porque eu tenho a bosta de um sonho, porque eu adoro São Paulo, porque passar na banca e comprar revistas que tenham textos meus me dá uma alegria que poucas vezes senti na vida. Cheguei até aqui para abandonar tudo e morrer abraçada nos pinschers da minha mãe?

Aprendi que para escrever bem, ter um emprego e ainda conquistar uma vida social normal eu precisaria, antes de tudo, de um diagnóstico psiquiátrico preciso. Sabem, eu quero e ao mesmo tempo não quero ser a VirginiaWoolf da região do Contestado. E para não me jogar em um rio qualquer cheia de pedras no casaco, agora eu visito um psiquiatra bacana que cobra um terço do meu salário para me dizer coisas duras e necessárias. A priori, achei ele bonito.

Não sei quando os manuais de autoajuda começaram a dizer que precisamos trabalhar com o que amamos. Aos 17, por gostar de escrever, decidi ser Jornalista. Nessa hora Jesus deveria ter voltado para o planeta apenas para dizer a verdade sobre a profissão aos vestibulandos. Se bem que, sendo ele um cara legal, santo e honesto, diria: “Meus filhos, é um tesão fazer reportagem, podem cursar jornalismo sem medo, vocês darão um jeito com dinheiro”.

Num mundo ideal das escolhas conscientes hoje eu seria uma professora de Literatura Ocidental prestes a escrever um segundo romance. Infelizmente, hoje sou uma pessoa que implora para escrever sobre xampu para cabelos grisalhos e ganhar R$300. Nada contra escrever sobre xampu, depois de muito desprezar a prática, acredito que me tornei uma das melhores jornalistas brasileiras na cobertura de cosméticos e produtos de higiene.

Bem, vocês sabem o prognóstico. Nasci em 1987 acreditando que era capaz de tudo e de qualquer coisa, bastava força de vontade e capacidade. E a geração Y, eu, você e a personagem vivida pela Lena Dunham em ‘Girls’, temos visto que as coisas não são bem assim.

Somos mimados, viciados em internet e acreditamos ser a voz de nossas gerações. E nós, infelizmente para mim, não somos. Somos criativos, claro. Cheio de ideias, obviamente, mas somos um exército e nossa frustração pode ser farejada de longe.

E você se veste e vai em entrevistas de emprego e conta tudo que você já fez e tudo pelo que passou. Você se repete até a exaustão para dizer que conseguirá manejar todas as plataformas; que o papel morreu, que o leitor quer isso, que o leitor quer aquilo, que as redes sociais já fazem parte das nossas vidas, que o celular é a nova revista, que o tablet, que o computador, que a televisão do elevador, que o relógio, que não sei mais o quê. Devo, sem a menor dúvida, ter lido todos os artigos sobre o futuro do jornalismo que já foram publicados no mundo. Só que o problema é que ninguém sabe ao certo o que vai acontecer.

Assim como muitos, faço dezenas de coisas ao mesmo tempo, leio mais de um livro por vez e dois jornais diariamente, trabalho em um portal de notícias e estou sempre escutando músicas ou rádios francesas. Isso fora todos os artigos que chegam até mim através das várias redes sociais que faço parte. Estou online. Eu sempre estive online. Eu estou online desde que tenho 12 anos. Esses dias preenchi um formulário que perguntava “Quantas horas por dia você acessa a internet?”, seguida de “Em qual local você acessa a internet?”. Para mim, essas perguntas não tem o menor cabimento e eu passei horas pensando nelas. Pensando nelas e lendo meus três livros, minhas seis matérias e respondendo oito e-mails enquanto também pensava que deveria estar fazendo meus frilas no lugar de fazer postagem pra blog.

Refém da ansiedade desde os mais tenros anos, sempre andei tremendo da cabeça aos pés. Troco quase todas as palavras, sinto uma coceira irresistível no rosto e roo a unha de apenas um dedo de uma das minhas mãos. Incapaz de qualquer coordenação motora, em algum momento da minha adolescência, perdi a capacidade de falar corretamente com as pessoas. Passei a deixa-las falando sozinhas e adquiri manias que nem saberia enumerar agora.

Isso sem falar nos pensamentos repetitivos. É aquilo de você passar a noite toda repassando conversas que você não teve e imaginando situações que nunca aconteceram ou como você reagiria se acontecessem. E foi assim que ‘deixei de funcionar’. Com tanta pressão por emprego, sanidade mental e bons textos, parei de dormir.

Passei a dormir de duas em duas horas acordando com pesadelos, em três turnos, totalizando seis horas de sono por noite. Comia só macarrão congelado e as porcarias mais fáceis de encontrar ou fazer. Pensar em comida era a última coisa que passava pela minha cabeça. Engordei dez quilos em um ano e adoecia por qualquer coisa. Não ia ao médico, não escrevia, não fazia nada. Passei meus dias bêbada olhando redes sociais e criando situações irreais na minha cabeça. Fiquei meses sem produzir nenhuma linha e me preocupando com os comentários bobos, com as situações mais toscas, com as notícias irrelevantes e com as picuinhas sem sentido do mundo online no lugar de fazer o que eu mais gosto e entendo na vida: escrever.

Apesar de inegáveis progressos profissionais, sinto que joguei fora os dois últimos anos da minha vida por não ter estrutura emocional. Minha autoestima estava tão baixa que eu me apaixonei por um cara casado que pesava mais de cem quilos. Um sádico que me fez acreditar que eu era um lixo de pessoa e eu, por incrível que pareça, acreditei. Eu não tinha ninguém em São Paulo e fui uma menina tola. Ainda tenho vontade de pegar a minha lapiseira 7.0 e enfiar dentro do meu olho para ver se consigo parar de me sentir tão imbecil. Mas o passado fica para trás e sempre podemos recomeçar. Decidi, depois de quase morrer de amor, de tédio, de pobreza, de tristeza, de amargura, de insônia, de rancor e de ódio, mudar radicalmente a minha maneira de viver e encarar o mundo.  

Sempre senti um certo desprezo por pessoas que frequentam academias. A frase “barriguinha definida, cabecinha deformada” surgia na minha mente quando eu pensava em investir na minha aparência física. Minha obsessão com uma suposta ‘formação intelectual’ me fez cair em diversos clichês e erros tão imaturos que só consigo perceber agora. Estou investindo em saúde e não na aparência física da Juju Salimeni. Nada impede uma pessoa de ler todos os clássicos alemães do século dezenove e ainda fazer uma aula de Pilates de vez em quando. Mente sã, corpo são e todo aquele papo. Aprendi que preciso cuidar do meu corpo e não há nada de cafona ou burro nisso. Todo dia de manhã eu visto a minha legging da Adidas e vou com tudo na malhação: Pilates, corrida, Spining e várias atividades que não sei o nome, mas que a academia do lado da minha casa oferece. Abandonei a comida congelada e estou craque nas tabelas nutricionais dos alimentos. Perdi, de maneira saudável, sete quilos em 50 dias. Minha pele ficou melhor e meu cabelo parou de cair aos montes.

Entretanto, nada disso seria possível sem a consciência de que eu sou uma pessoa que precisa de acompanhamento psicológico. E não falo do meu antigo psicólogo meia boca. Alguém formado em medicina que pudesse fazer um diagnóstico completo das minhas manias, ansiedade, transtornos e todas os problemas que demorei muito tempo para encarar como uma coisa real. Lá no interior do Paraná onde nasci, não havia essa preocupação com a sanidade mental das crianças. Meus pais sempre foram muito humildes e, para você ter uma ideia, até os meus quinze anos, minha mãe brigava comigo se eu lavava a cabeça estando menstruada. Ah, o interior. Leio William Faulkner com o coração na mão por me identificar com o ‘atraso do sul’.

Porém, quando se quer ser escritor, é muito legal pensar que todos os abusos psicológicos e físicos que você sofreu na infância e adolescência o ajudarão a escrever melhor. Nem sempre. Eles podem matar aos poucos se nunca encarados de frente. Só agora começo a aceitar as situações pelas quais passei. Em tratamento há algumas semanas, sinto que voltei a usar minha mente de maneira saudável. Consigo pensar nas minhas escolhas e já não ajo por impulso e com raiva do mundo. Consigo deixar o celular de lado e me preocupo com as coisas que realmente fazem sentido pra mim. Agora tenho consciência de quem eu sou e isso trouxe a autoestima que nunca tive. Tenho ainda um relacionamento saudável. Alguém que me apoia e que me ajuda em tudo. Até na hora de preencher cheques, algo que eu julguei impossível sem assistência. 

Esse blog, com seus sete anos de existência, me ajudou a crescer como pessoa. E é uma alegria sem fim ver que ele virou uma coluna numa revista de circulação nacional. Escrever é a minha essência e eu tenho produzido cada vez mais. Comprei um caderno, organizei as ideias e comecei a estabelecer planos de médio e longo prazo. E um desses meus objetivos é postar mais nesse espaço. Pretendo até arranjar um dinheiro e contratar um designer para dar um tapa na página. Espero que os meus treze leitores fixos fiquem felizes com o resultado. 

4 comentários:

Felisbelo da Silva disse...

A MUSA...

Ela me disse: - "Louco! Aonde vais tu,
Com o peso de mil livros no bornal?
Se no Céu continua o mesmo azul,
E tu não és nenhum ser sideral?

Escreves para o Norte e para o Sul
Musicas o Brasil sensacional!
Tão simples como algum menino nu
Na humildade, poeta, és maioral.

Vais parar? Quede o assunto? Inda tens "gás"?
E o povo, ó profeta, ainda quer mais?
Bem, se tu és amado e o povo te quer,

Se nasceste pro bem da Humanidade?
É tua a resplendente Eternidade!
Não pares! Sou a Musa - tua mulher!...


Taísa para que você não esqueça que sou escritor de mil e noventa e um livros publicados.
Conte sempre com os meus modestos préstimos!
Belinho.

Pedro Luiz Thaler Martini disse...

Li alguns textos na Vip, muito bons. Parabéns!

Unknown disse...

Tanta dor, melancolia e paixão. Cabe tudo dentro de você. São vários os motivos pra se escrever, entre eles o exorcismo dos nossos demônios. Salve, Szabatura!

borges disse...

Eu jurava que esse blog não existia mais! Talvez o link do meu blog estivesse antigo ou talvez eu tenha perdido a noção do tempo mesmo.

Não consigo pensar em morar em Sampa, apesar de passar ótimos 2 ou 3 dias trabalhando ai vez em quando.

Ah, seu texto tem sempre algo que só vejo neles, gosto disso :)