Nas águas da enchente lavarei os meus pecados

Depois de passar uma hora e meia no 0800 da minha universidade implorando para poder utilizar a biblioteca, confesso que fiquei sem chão, sem vida, sem vontade; então, por que não extravasar numa garrafa de vodka? Melhor, por que não postar em um blog toda a frustração que atinge a minha vida, o meu íntimo, as minhas entranhas?

Tudo começou quando me formei em Jornalismo. Bem, quase isso; fiz todas as matérias, apresentei gloriosamente meu trabalho de conclusão de curso, mas ainda não colei o tal do grau. Há dois meios de colar grau: no primeiro você precisa pagar um milhão de reais, vender rifa, dar a toba e participar de um baile vestida de Cinderela. No outro você precisa apenas entrar com um pedido na secretaria do seu curso para colar grau em gabinete, pagar R$97,50 e esperar um telefonema.

Optei pela segunda maneira, mesmo sabendo que estava simples demais para ser verdade. Coloquei uma roupinha bacana e fui até a universidade e disse sensualmente “Oi, eu quero entrar com um pedido para colar grau em gabinete”. A mocinha da secretaria gentilmente me informou que eu só poderia pedir uma coisa dessas depois que a turma vestida de Cinderela se formasse, já que eles pagaram um milhão de reais, teriam preferência etc.

“Meu bem, funciona assim: depois que a ‘turma principal’ se formar, você vem aqui e pede para colar grau em gabinete. Daí nós geramos um boleto no valor de R$97,50 (pagável em qualquer banco) e, depois de confirmado o pagamento, você já está inscrita. Não há uma data fixa para a colação, eles podem ligar a qualquer momento, fique com o celular ligado”.

“Como assim, querida?”

“É, eu também colei grau por gabinete. Depois de dois meses de espera recebi uma ligação de manhã dizendo que a colação seria à tarde, quase perdi.”

“Mas e se eu estiver em outra cidade”? E se eu não puder ir?”

“Daí você entra mais uma vez com o pedido, paga novamente a taxa e espera uma nova ligação”.

“Jura? Que bacana, totalmente dentro da lei. Só mais uma pergunta, você se formou em Jornalismo e hoje trabalha na secretaria do curso?”

Corta a cena. Véspera da colação da turma vestida de Cinderela e Santa Catarina sofre com a enchente. Ninguém se forma, todos nadam. Colar grau para mim passa então a ser um sonho distante. Rolo na cama esperando o príncipe que chega num cavalo branco e me entrega um rolo de papel escrito “Bacharel em Comunicação habilitado em Jornalismo”. Acordo assustada, olho para o celular, não há esperança.

A vida, entretanto, segue seu curso e passei a curtir o desemprego em casa tomando achocolatado e mandando currículos como se não houvesse amanhã. Comecei até a aceitar a possibilidade de trabalhar como secretária do meu curso, afinal, depois de dois meses supostamente formada e procurando emprego, já não tinha pretensões. (Ser uma repórter empregada, constatei, é mais difícil que ganhar na mega sena). E no tempo livre frequentava a biblioteca da universidade, pegava livros, estudava russo, usava a internet, flertava com os mocinhos de Ciências da Computação. Era feliz. Isso tudo até ontem, quando fui banida do sistema. Email, intranet, wireless, tudo virou pó de repente.

Liga pra lá, liga pra cá, transfere a ligação, transfere de novo e descobre-se que, como não estou matriculada e tampouco sou egressa da instituição, não tenho direito a serviço nenhum, não sou nada. Sou uma criatura do limbo. Porém, a mocinha do Call Center estava otimista, disse que não era o fim da linha, tudo que eu precisava fazer para voltar a usar a biblioteca era:

“Primeiro você vai até a biblioteca, devolve todos os livros que ainda estão com você e pede para imprimirem um papel atestando que você não tem nenhuma dívida com eles...”

“Acho que tenho uma dívida de R$1,50...”

“Daí eles vão gerar um boleto nesse valor que você pode pagar em qualquer banco. Depois que você pagar é só esperar o pagamento cair no sistema, ir até a biblioteca, pedir um novo papel dizendo que você não tem mais dívidas e entregar esse papel na secretaria.”

“Eu vou ter que ir ao banco quitar uma dívida de R$1,50?”

“Sim.”

“E depois que eu entregar esse papel na secretaria já pode voltar a usar a biblioteca?”

“Não, mas assim que você colar grau, você pede uma nova senha, agora como egressa, espera essa nova senha ser liberada e daí pode voltar a utilizar a biblioteca.”

“Mas não há previsão de quando eu vou me formar, nem a ‘turma principal’ se formou ainda...”

“Senhora, é assim que funciona.”

Não sei por que isso me abalou tanto, devo ter uns cinco livros novos, mais os 859 livros do Kindle e a carteirinha da Biblioteca Municipal, mas eu queria aquela biblioteca. (Ah, tem a biblioteca da UFSC onde faço Letras, mas como ela fica em Florianópolis preciso pedir os livros pelos Correios e os lindos estão em greve). Enfim, eu gosto dali, eu passei cinco anos ali dentro, 63,8% de tudo que aprendi na vida, eu aprendi ali dentro. Meu primeiro Dostoievski, meu primeiro William Faulkner e todos aqueles livros de vampiros, foi tudo ali. Daí estou guardando rancor, amargurada, pensando em agredir minorias na Av. Paulista com uma lâmpada para ver se me sinto melhor.

Opa Taísa, não brinca com isso, lembra quando você sofreu bullying de católicos/evangélicos e ficou quase cinco meses sem postar no seu blog? Lembra quando eles te chamaram de nazista só pelo fato de você ser loira(!) e poder pagar uma universidade particular? Lembra quando eles inventaram que você disse que queria bater nos evangélicos com livros do Richard Dawkins na Paulista? Lembra quando eles te mandaram e-mails de ódio, ameaçaram te processar, te bater, te estuprar porque Jesus Cristo é o senhor e defender gays é errado?

Lembro. Mas até que foi divertido, lembra do católico que também se dizia astrólogo que disse que eu queria queimar evangélicos e que eu deveria ser presa? Lembra que para ser gente fina e combater qualquer mal entendido eu me dispus a apagar postagens e até ceder espaço do blog pessoal para que eles se manifestassem, mesmo com os emails de ódio e a disseminações de mentiras com o meu nome internet afora? Lembra quando tudo ficou imensamente ridículo e eu decidi nunca mais expôr minhas idéias sobre religião? Lembra quando eu desisti, me calei, assumi a derrota, escureci o cabelo e perdi totalmente a vontade de postar nesse blog ou escrever qualquer coisa que não fosse trabalho da faculdade?

Pois é, esse tempo acabou. Bitches, estou de volta. Eu só não tenho diploma.

11 comentários:

Flávia disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

Muito bom.

Tamara disse...

E eu que tô devendo pras duas bibliotecas - sim, pra da Ufsc também - e não tô mt na pira de pagar a dívida.

Daí eu dependo de você, né, das migalhas (só UM livro!) que você me dá. Agora, nem isso tenho mais.

Tsc.

Júlio Sandes disse...

HA, back in town, ahn? Legal :)

E, putz, tava hoje ouvindo os relatos de um amigo sobre a descaração das universidades particulares. Sempre arranjam um jeito de enfiar a mão em seu bolso. Mas um dia você cola grau, Taísa, tenha fé ú.ú

Taísa disse...

Um dia. Tenhamos fé.

Renan Accioly Wamser disse...

Sofri da mesma tragédia da colação de grau em gabinete. Você fica esperando loucamente até algúem te ligar no nada, falando potencialmente quando irá rolar,
Mas tem uma menina loirinha da secretária, com um narizinho pontudo e óculos, que pode te ajudar.Explique sua situação dizendo que irá viajar para um compromisso de emprego em outra cidade e que não tem como você voltar.Fale pessoalmente e depois ligue duzentas vezes.Uma hora vai dar certo.
Falando em literatura, estou lendo aquela biografia do Tim Maia, achei bem bacana e divertidinha.DORGAS. Saudades, Taísa. Aguarde-me em breve. =]

Taísa disse...

Porra, Renan, vem pra cá. Saudades demais. E obrigada pela dica, vou procurar a loirinha.

Henrique Koifman disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Henrique Koifman disse...

Além do diploma de jornalista, eles deveriam te entregar outro, de mestrado em Kafka. Mas não desanime, colega. Você pode não ter diploma ainda, mas, diferentemente da imensa maioria, sabe escrever bem, com humor e originalidade. E sabe também rir de si mesma, o que é, talvez, um mérito ainda mais importante.
Boa sorte!
HK

Taísa disse...

Ah, bondade sua quanto ao Kafka. E obrigada pela força. Beijão!

Flávia disse...

Taísa, você tá morando onde? Preguiça de procurar aqui, haha.

:)

Taísa disse...

Eu estou em Santa Catarina (Balneário Camboriú), mas procurando emprego em São Paulo ou no Rio. Até começo do ano me mudo, nem que seja pra morar na rua, ahá.