Os deleites do paraíso universitário; onde caça mais nobre é alvejar a si mesmo

"Estar acordado é estar vivo. Até agora nunca encontrei um homem inteiramente acordado. Como poderia tê-lo encarado?"*
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Descobri muito tarde na vida a como me portar na Universidade. Percebi que reclamar das aulas que são uma merda é perda de tempo. Escolha os temas que você quer estudar, monte sua própria bibliografia e mande subjetivamente metade dos pseudo-doutores-muito-fodas-pra-caralho tomar no meio do rabo. Leve seu livrinho, sua garrafinha de água mineral e espere pela chamada. Fiz grandes avanços em meus estudos de história norte-americana nas aulas de Radiojornalismo II, por exemplo. Literatura estadunidense e tudo que a concerne; eis o caminho, a verdade e a vida. Recomendo.
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Meu único temor é reprovar por deboche. Cheguei a um nível de sinceridade tal que as coisas estão mais ou menos assim: "Taísa, conte para a turma como a dupla realizou o trabalho", "Bom, professora, o fulano não fez nada, citou uma doença e lavou as mãos. Já eu fiz de qualquer jeito, na política do 'se colar, colou'". Tiro oito. Oito é o novo zero. Sob este sol ninguém será reprovado. Só não esqueça da chamada, isto sim é levado muito a sério; afinal, algum foco eles haveriam de ter.
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Claro que existem aulas fantásticas e é por isso que estamos aqui, com esta enxada na mão, cavando cada vez mais fundo, explorando cada dia mais. A obsessão doentia que nutro pelo professor de Jornalismo Literário é digna de nota. Aquela admiração profunda pela pessoa e etc. Só que ele passa a maioria das aula relembrando o quanto somos ignorantes e o quanto precisa baixar o nível para passar a matéria. Daí eu vejo nele a minha mãe e busco aprovação. Recomendou livros fodas, trouxe textos sublimes e leu um conto meu em voz alta para a galera. Não foi só o meu, ele leu o de outros dois alunos. Também não foi pelo critério de melhor/pior, mas sim os "que chamaram a atenção dele". Confesso que esse episódio foi mais legal que o Natal de 1995. Minha mãe me abraçou no Natal de 1995. Confesso de novo: sou deprimente; descobri que vida social e relacionamentos amorosos nada mais são do que atraso. Atraso e falta de senso. Estudar rende altíssimos índices de retorno.
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Estou entregue a um estado lastimável. Parei de pentear os cabelos há meses. Daí eu tenho esse problema com livros. Nada inteligente, vale ressaltar. Percebi que tenho uma dificuldade em retornar ao mesmo livro, fato que fez com que eu lesse esses bichos de uma só vez. Claro que ninguém lê José e seus Irmãos (o primeiro volume) em apenas vinte e quatro horas, mas matar rapidamente no peito as primeiras duzentas páginas de qualquer exemplar é um ato cristão que deveria ser praticado por todos.
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Fora a bad trip de ler vários livros ao mesmo tempo. Abstraia desta vida sem sentido e se atenha a uma coisa de cada vez. Tenho vivido errado, mas consegui fazer uma classificação que tem se mostrado produtiva. Permito-me ler um romance, enquanto acompanho um livro de poesias e trabalho em cima de algum material teórico. Você terá sempre três livros na bolsa/mão, mas vale a pena. No máximo você se parecerá comigo, o que é algo como uma retirante nordestina na rodoviária do Tietê em São Paulo. Várias sacolas eu já tenho, agora só falta uma crianças barulhentas para formar o conjunto.
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Isso eu faço por vontade; a universidade em nenhum momento me exigiu esta forma de esforço; e inacreditavelmente sou feliz com essa rotina literária. Tranquilidade é poder ler meus livros, mesmo que no afobamento; e se no futuro eu puder trabalhar na Redação de algum jornal coerente, estarei plenamente realizada. Entretanto, fico um pouco insatisfeita por não conseguir ler e ouvir música ao mesmo tempo. Outra coisa que não consigo é conversar com as pessoas. Tropeço nas sílabas, perco a vontade de continuar a frase, balbucio. Também estou cega e por isso sinto dores de cabeça fortíssimas vindas diretamente do inferno. Passo o fim de semana no escuro, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Terei fé que em qualquer dia desses eu lembre de ir até o SUS marcar um oftalmologista. No mais, escutem Leonard Cohen.
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Fadiga
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Dentro de instantes irei na biblioteca devolver THOREAU, Henry David, Walden ou A Vida nos Bosques e A desobediência Civil. Editora Aquariana, São Paulo, 2001. * Até lá acompanhem alguns trechos comigo, (não citarei diversas partes célebres por espaço; indico páginas 100 e 101 para quem quiser entrar na epifania):
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"Vê-se com frequência que, se ocorre um acidente com as pernas de um cavalheiro, estas podem ser consertadas, mas se ao mesmo acontece com as pernas de suas calças, não há remédio, tudo porque ele se deixa levar não pelo que é respeitável, mas pelo que é respeitado. Eis porque conhecemos poucos homens e uma infinidade de paletós e calças." (p.34)
"Para resumir, estou convencido, por fé e experiência, que a automanutenção neste mundo não é um sofrimento mas um passatempo, se a pessoa decide viver de modo simples e sábio." (p.77)
"Quando somos calmos e sábios, percebemos que só as coisas grandes e dignas têm existência permanente e absoluta, que os pequenos medos e os pequenos prazeres não passam de sombra da realidade, o que é sempre estimulante e sublime. Por fecharem os olhos e dormirem, por consentirem em ser enganados pelas aparências, os homens em toda a parte estabelecem e confirmam suas vidas diárias de rotina e hábito em cima de fundações puramente ilusórias. Crianças, que brincam de viver, discernem com mais clareza que os adultos a verdadeira lei da vida e suas relações, enquanto estes fracassam sem conseguir vivê-la condignamente, embora pensem que a experiência, isto é, o fracasso os tornou mais sábios." (p.99)
"Ler bem, isto é, ler livros verdadeiros com espírito verdadeiro, é um nobre exercício que põe a prova o leitor mais do que qualquer outro exercício tido em alta conta nos hábitos contemporâneos. Exige um treinamento semelhante àquele a que se submetem os atletas, a firme perseverança de quase toda a vida neste objetivo." (p.105)
"Quantos homens não inauguraram nova etapa na vida a partir da leitura de um livro!" (p.111)
"..pois minha própria vida tornou-se a minha distração e nunca deixava de apresentar novidades." (p.115)
"..vivemos em prosmicuidade, entrando um no caminho do outro, tropeçando um no outro, e creio que dessa forma perdemos o respeito mútuo." (p. 137)
"Se um homem não acerta o passo com seus companheiros é porque talvez ouça um tambor diferente. Deixai-o marchar conforme a música que ouve, ainda que lenta e distante." (p.311)
"A vida é mais deliciosa no que é mais íntima" (p. 314)
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Pois é, exagerei.

4 comentários:

desconhecido autor disse...

É, Taísa, você tem fé. E fé é para poucos.

Não imaginava encontrar alguém que ainda acredita nos estudos. Volto e meia vejo um idiota acreditando no amor, mas confiar na "instituição do ensino" é um lance mais raro ainda - e talvez até mais idiota.

Mas o que fazer?

Minha vida é um lance um tanto miserável pr'eu julgar ou apontar isso ou aquilo na vida de alguém.

Pelo menos você se esforça...

Taísa disse...

Essa postagem é justamente eu "não confiando na instituição de ensino". Segunda postagem que a sua sacada é meio distorcida. Fazer o quê? Eu solto aqui e cada um entende o que quiser. E mais, acreditar no estudo (leitura) é válido, acredito cegamente; incerto é debochar de tudo e se achar superior por esse desprezo vazio.

desconhecido autor disse...

Mentxira?!

borges disse...

eu ia comentar o texto, mas prefiro parabenizar as 3 últimas linhas da tua réplica aqui...